30 de setembro de 2014

Como vai funcionar o Sínodo da Família?


Mais de 250 pessoas vão participar no próximo Sínodo dos Bispos em Roma, entre 5 e 19 de outubro, sobre os desafios da família. Segundo a Rome Reports, o Papa Francisco pediu que fosse feitas mudanças na estrutura habitual dos sínodos, para que as reuniões podem ser mais eficientes. Neste sentido, cada dia vai lidar com um tema do Instrumentum Laboris, o documento de trabalho sobre o Sínodo que foi publicado a 26 de junho.

O cardeal Lorenzo Baldisseri, Secretário-Geral do Sínodo, explica que o objetivo é tornar os trabalhos mais «flexíveis». «Gostaríamos que o desenvolvimento do trabalho seguisse a ordem de temas do Instrumentum Laboris. Foi assim no passado, mas era mais flexível. Gostaríamos de segui-lo com esta ordem precisa», afirmou, entrevista à Rome Reports.

Um bispo encarregado do tema do dia abrirá a sessão com uma explicação. Em seguida, os casais que foram convidados a estar presentes terão o seu tempo para falar ao Sínodo. «Durante as sessões haverá um casal que vai dar o seu testemunho sobre o tema que está sendo discutido. Então, depois haverá intervenções da sala», explica. Poderá falar quem desejar, por ordem alfabética e durante quatro minutos. Poderão ainda fornecer uma versão escrita da sua intervenção.

No final do dia, haverá um momento de debate aberto, que terá a duração de uma hora, e em que todos vão falar sobre o tema discutido durante o dia. Este é um aspeto introduzido por Bento XVI, que permanece neste Sínodo. «Para os debates abertos, vamos tentar permitir que o maior número de pessoas possa falar. Cada um fala uma, não duas vezes, no mesmo dia», precisou o prelado.

O Sínodo vai ser confrontado com os problemas enfrentados pelas famílias nos cinco continentes, situações distintas em ambientes muito diferentes. «Vamos discutir os problemas que também foram destacados pelos meios de comunicação, como os casamentos fracassados, separações, divórcios, etc. É um tema muito mais sensível no Ocidente, sem dúvida. Mas eu gostaria de salientar que cada continente tem seus próprios problemas», alertou o cardeal Baldisseri, sendo que será de esperar que sejam abordados mais assuntos para além dos que têm vindo a ser noticiados pela comunicação social.

O cardeal destacou vários problemas, tais como a poligamia na África ou as mulheres abandonadas com crianças na América Latina, como sendo passíveis de serem abordados com tanto ou mais detalhe que aqueles que têm sido avançados pela comunicação social. Os preparativos finais estão sendo feitos ao longo destes dias antes do início do Sínodo a 5 de outubro.
 
Ricardo Perna (com Rome Reports)

Chegou o momento de discutir a Família



Pensar a família como um todo é pensar o futuro da sociedade. Com esta ideia no pensamento, o Papa Francisco resolveu dedicar o primeiro sínodo do seu pontificado ao tema da família. São vários os assuntos que vão ser debatidos, pois a família toca em diferentes realidades, e aqui mostramos apenas algumas das questões que vão estar em causa. A expetativa é grande, mas não são de esperar grandes decisões no final deste sínodo extraordinário.


Texto Ricardo Perna

O Papa Francisco surpreendeu o mundo, (mais uma vez, dirão alguns), quando, em outubro de 2013, anunciou a realização de um Sínodo sobre a Família. A surpresa não veio do anúncio do Sínodo em si, mas em tudo o que veio depois. Desde logo, a realização de dois sínodos, um com carácter extraordinário, para 2014, outro ordinário, em 2015. No dia do anúncio, o Pe. Lombardi, da sala de imprensa da Santa Sé, explicava que «esta é a forma com que o Papa pretende fazer um caminho de reflexão na unidade da igreja, promovendo a participação responsável do episcopado de todas as partes do mundo». Conhecido por ser um homem de consensos, Francisco mostrou isso mesmo logo em novembro, quando chegou às dioceses de todo o mundo o Lineamenta, o documento preparatório que é habitualmente enviado a todos os bispos. Juntamente com o documento, a indicação expressa de que o mesmo deveria ser distribuído a todos os movimentos, congregações e pessoas individuais interessadas em enviar as suas respostas sobre a realidade da sua igreja local. Apesar de esta intenção teórica estar sempre presente nos sínodos anteriores, foi a primeira vez que ela foi vincada desta forma.

As respostas foram em grande número, e provocaram algum burburinho à medida que as opiniões foram sendo conhecidas, já que muitas iam criticavam a doutrina da Igreja em alguns temas.
No entanto, Francisco conseguiu o que queria: pôs grande parte do mundo crente e não crente a falar sobre a família, os seus desafios, forças e fraquezas. Além disso, criou uma expetativa sobre o sínodo que irá fazer com que as suas conclusões sejam escutadas com a maior das atenções.
Este sínodo que se inicia a dia 5 deste mês vai servir para ouvir os presidentes das conferências episcopais de todo o mundo falar sobre a realidade local da igreja relacionada com os temas da família. Vai ser uma reunião global essencialmente de auscultação, da qual não são esperadas nenhumas conclusões definitivas, sejam elas pastorais ou doutrinais. O Papa quer consolidar o conhecimento da realidade da igreja nos diferentes países do globo, complementando as respostas que recebeu do questionário mundial com as opiniões, de viva voz, dos presidentes das conferências episcopais de todo o mundo, que lhe trarão a experiência pastoral de cada país e as dificuldades específicas de cada região do globo.

Muitas pessoas aguardam este sínodo de outubro com a expetativa de que saiam respostas claras, e esse poderá ser o principal risco de todo este entusiasmo que rodeia o encontro, já que não se afigura plausível que, com um novo sínodo daqui a um ano, desta reunião saiam grandes decisões.
Outra dúvida é saber se Francisco irá promover mudanças doutrinais ou pastorais dentro da Igreja. Apesar de ser olhado por todos como um progressista, a verdade é que o Papa não tem “inovado” a doutrina da Igreja como alguns setores da Igreja esperavam, antes tem inovado pela prática pastoral e pela abordagem aberta e próxima das pessoas. Por isso, a dúvida sobre eventuais mudanças doutrinais mantém-se e apenas poderá ser esclarecida depois dos Sínodos. Certo é que Francisco pretende que a família volte a ganhar o relevo que os últimos anos lhe foram roubando enquanto célula base da sociedade e da felicidade do ser humano.

Temas sobre os quais o Sínodo se vai debruçar:

Divorciados e recasados
Podendo não ser o mais importante ou que afete mais pessoas, este é o tema de quem toda a gente fala. O sofrimento causado pelo afastamento dos sacramentos de todos os divorciados recasados é sentido por grande parte da igreja local. A grande dúvida não está na necessidade de acolhimento destas pessoas, mas sim na possibilidade de lhes voltar a dar acesso aos sacramentos, mesmo sabendo que vivem em pecado, segundo a Igreja.
O Cardeal Kasper defende a reintegração destas pessoas, após um período de penitência e reflexão interior, mas muitos apontam a indissolubilidade do matrimónio descrita na Bíblia como algo que inviabiliza esta opção, apesar dos cristãos ortodoxos terem encontrado nos mesmos textos bíblicos uma forma de justificar essa segunda união.
Viver uma vida de abstinência parece dura aos olhos de muita gente, mesmo dentro da igreja, e há ainda quem defenda que, se a pessoa não for a responsável pelo divórcio, tem o “direito” de ser desligada desse vínculo e procurar outra pessoa com quem partilhar a sua vida.

A fé na família
Cultivar a fé na família será o problema mais perene de todos, apesar de ser aquele sobre o qual menos se fala. Cada vez mais a família apresenta um défice na capacidade de educar os seus filhos na fé, e muitas crianças chegam à catequese nas paróquias sem o mínimo de vivência cristã. Esta é uma questão puramente pastoral, sobre a qual o Sínodo irá certamente debruçar-se. A catequese familiar é um movimento que tem conhecido uma expansão grande e pode ser uma opção válida no sentido de envolver os pais na educação cristã dos seus filhos. Esse envolvimento também contribui para que as crianças não abandonem a catequese e na se desliguem da Igreja na idade adulta.
Responsabilizar e formar pode ser a chave para se criarem comunidades católicas maiores e mais empenhadas no futuro.

Processos de nulidade e preparação para o matrimónio

Associado às questões dos divorciados, surge hoje a necessidade de agilizar os processos de nulidade, que visam perceber se a união assumida pelo casal no momento do matrimónio existiu ou não.
O presidente do Tribunal eclesiástico de Lisboa, Pe. Ricardo Ferreira, admite que se possa «abdicar da confirmação do segundo tribunal na generalidade dos casos, e guardar essa opção apenas para quem decida recorrer da sentença preferida pelo tribunal eclesiástico de primeira instância», o que significaria uma diminuição do tempo necessário para o processo que já foi bastante diminuído com o aumento dos recursos humanos nos tribunais). Também a nível dos custos é possível já hoje que estes sejam diminuídos ou anulados no caso de dificuldades financeiras, o que facilitará o acesso de mais pessoas aos mesmos.
Juntamente com a questão da nulidade, está a questão da preparação para o matrimónio. Muitos dos casamentos hoje são nulos por falta de maturidade dos noivos no momento da celebração, e isso é culpa, em grande parte, da fraca formação que é dada a esses noivos. Os cursos de preparação para o matrimónio não chegam a toda a gente, e os sacerdotes não se negam a casar ninguém, mesmo que vejam claramente que não estão preparados ou conscientes do que vão fazer. Isso pode mudar se a Igreja apostar de forma mais clara na obrigatoriedade da formação dos noivos e tiver uma postura mais firme na decisão de celebrar ou não certos matrimónios. Diminuirá o número de casamentos, mas também o número de divórcios e situações dolorosas para as pessoas envolvidas.

Novos conceitos de família
Filhos de pais separados, adultos em situação irregular que prestam serviço na paróquia, uniões de facto, casamento homossexual, adoção homossexual… são várias as matérias que provocam uma mudança no panorama familiar da sociedade contemporânea. A existência destes modelos e o que é possível fazer para os acolher dentro da doutrina da Igreja será certamente um dos temas a debater no sínodo. O Papa já mostrou estar aberto e disponível para acolher todos na Igreja, mas também não se mostrou disponível para mudar a doutrina da Igreja para que isso aconteça. Partirá das pessoas compreender o que se espera de um católico, e da Igreja entender que a realidade mudou e que há que fazer novo entendimento de coisas que poderiam não ser admissíveis em tempos. Sem colocar a doutrina em causa, não se anteveem soluções fáceis, nomeadamente no caso das uniões homossexuais.

29 de setembro de 2014

Catequese familiar - O futuro da catequese infantil?



Evangelizar pais e filhos é um desafio que se coloca hoje à Igreja. O próprio Sínodo para a Família aborda essas questões da necessidade de acompanhamento das famílias, e é nesse âmbito que surge a catequese familiar, que vem revolucionar o conceito de catequese de infância ao incluir os pais no processo catequético. O projeto começou há três anos e a FAMÍLIA CRISTÃ foi conhecer os frutos que já existem.
 
Há três anos, um grupo de paróquias-piloto iniciou um projeto pioneiro de catequese familiar em Portugal. Uma iniciativa que surgiu na América Latina, no Chile, que se propagou por todo o continente e chegou à Europa. A catequese familiar surgiu em Portugal pela mão do Pe. Vasco Gonçalves, de Viana do Castelo, que sugeriu a introdução desta nova forma de compreender a catequese de infância como resposta à falta de cultura religiosa que grassa pelo país e pelas paróquias.
Inicialmente pensado para acompanhar as famílias até à Primeira Comunhão dos filhos, o projeto chegou, neste final de ano pastoral, ao fim do seu primeiro ciclo, com a celebração da Primeira Comunhão, e o Pe. Vasco Gonçalves declara-se muito «satisfeito» com o resultado. «Estou mais que satisfeito. Eu estava convencido que o projeto iria funcionar, por causa dos frutos que já tinha observado nos países em que já existia», explica o sacerdote, que adianta que este projeto permitiu trabalhar a «centralidade da Eucaristia» dentro das famílias.

Cristina Sá Carvalho, diretora do departamento de catequese do SNEC (Secretariado Nacional da Educação Cristã), órgão que abraçou este projeto desde o início, faz um balanço semelhante. «Do ponto de vista dos resultados, penso que foi muito positivo e começou logo a sê-lo», diz esta responsável, que adianta que as taxas de desistência dos pais que iniciaram o projeto foi extremamente baixa. «Quase não houve desistências nos grupos das paróquias-piloto durante os três anos, e aquilo que era a vivência e a experiência deles também começou logo a ser muito positiva desde o início. Os pais perceberam que era muito valioso para a sua vida familiar», diz a diretora do SNEC.

A catequese familiar segue os mesmos guias e conteúdos que a catequese “normal” das paróquias, pelo que as grandes mudanças que este projeto traz não são ao nível dos conteúdos, mas sim da vivência e da motivação. «A catequese familiar permite uma maior vivência da fé em família. Nós propomos poucas coisas para a família fazer, mas essas pequenas coisas permitem desenvolver essa vivência. Depois há o maior envolvimento da família toda na vida da comunidade», diz o Pe. Vasco. Cristina Sá Carvalho concorda, e acrescenta a questão da «evangelização mútua» de pais e filhos. «Há uma vivência de globalidade da experiência de fé que é muito forte, que origina uma evangelização mútua entre pais e filhos. Nestas famílias, o Espírito sopra com muita força», considera esta responsável.

O reforço dessa relação familiar foi uma das coisas que o André e a Ana, pais que participaram no projeto na diocese de Viana do Castelo, sentiram na sua relação com o Tiago, o filho que fez há pouco tempo a sua Primeira Comunhão. «Ao início foi um choque. “O quê, agora termos de voltar para a catequese? Para quê?”, comentávamos nós, mas depois foi um crescer muito giro, entre o grupo de pais e entre nós e o Tiago, porque eu e o André já tínhamos uma forma de comunicar a nossa fé entre nós, mas com o nosso filho não havia, e isto ajudou-nos imenso», diz esta mãe, que revela que o próprio filho se tornou exigente para com eles. «Há pouco tempo disse-nos que se não o levarmos à Missa a comungar, que nós é que ficamos em pecado, porque ele é apenas uma criança», conta, entre risos.
Da esquerda para a direita: o Pe. Vasco Gonçalves, Pedro Ruivo
e a família André, Ana e o filho Tiago
O pai André fala em maior motivação. «Quando eu andava na catequese, uns anos era por prazer, mas outros por obrigação, dependia do catequista. Mas este projeto ajudou-nos a sermos exemplo, e sabemos que se formos exemplo quem vem atrás tem sempre mais motivação para agir. Se os pais forem à catequese, os filhos também se vão motivar para ir», considera.
Como resultado desta maior motivação, ganhou também a comunidade e o resto do grupo de catequese dos pais que não aderiram à catequese familiar. «Os nossos convívios de final de ano da catequese são históricos, juntam imensa gente, e tal só é possível porque a iniciativa parte do grupo dos pais da catequese familiar, que depois abrem o convite a todos os pais e crianças», explica André Esteves.

Parte deste mérito está nos animadores familiares, os catequistas que asseguram a formação dos pais. Pedro Ruivo, de 43 anos, já tinha sido catequista de adolescentes, mas estava meio afastado. Até que a filha mais nova entrou para a catequese há três anos e o pároco o convidou a fazer parte do projeto de catequese familiar, não só como pai, mas como animador familiar. «É totalmente diferente de ser catequista de adolescentes, isso é certo», afirma, explicando que «são pais, têm alguma experiência, colocam outras questões. Era uma novidade, mas os pais já tinham algum caminho feito, pelo menos a maioria, embora os que andavam mais afastados tenham sido belas surpresas.»
Os encontros dos pais eram quinzenais, e pontualmente havia encontros entre o grupo dos pais e o grupo de catequese das crianças. Mas são muitas as possibilidades de organizar este projeto, e por isso o SNEC não limita as paróquias, antes acompanha-as no modelo que cada paróquia define, dentro das várias propostas existentes.

O ponto alto destes três anos foi, claro, a festa da Primeira Comunhão, que marcou o final desta caminhada que estava projetada para três anos. «A Primeira Comunhão foi um momento muito especial, e os pais tomaram consciência da importância desta celebração em virtude do trabalho que foi sendo feito durante estes três anos», argumenta Pedro Ruivo.
O trabalho feito com os pais foi tal que os pais se entusiasmaram e tomaram parte ativa na preparação da festa dos filhos. «Os pais viveram por dentro a preparação em si da cerimónia. O grupo coral foi substituído pelos pais, que animaram a celebração, todos participaram e viram o porquê das coisas, e foi um sabor diferente que teve esta comunhão, porque foi preparada por todos», recorda o animador familiar.

Apesar de funcionar apenas para os três primeiros anos de catequese, o SNEC decidiu avançar com mais três anos, até ao 6.º volume de catequese. Foi um pedido dos pais que veio confirmar uma intuição de Cristina Sá Carvalho. «Já tinha esta ideia desde o princípio. Nas paróquias-piloto os pais disseram logo que queriam acompanhar até ao fim, ou seja, os 6 anos», afirma.

Os bons resultados levam este jornalista a colocar a pergunta óbvia: Poderá a catequese familiar substituir por completo a catequese de infância a que estamos habituados? Enquanto Cristina Sá Carvalho tem algumas preocupações com o assunto, o Pe. Vasco não tem grandes dúvidas que sim. «A meu ver, o grande objetivo é que os três primeiros anos sejam de catequese familiar em todo o lado. É uma altura em que os pais acompanham de perto os filhos e é a grande oportunidade de evangelização dos pais», considera. A diretora do departamento de catequese do SNEC defende que deve haver uma complementaridade, até porque alguns pais, pelo menos numa fase inicial, «não aceitarão integrar os projetos». Nas paróquias que assumem por completo a catequese familiar, esses pais são dirigidos para paróquias vizinhas que não têm esse projeto, mas o Pe. Vasco acredita que, com o tempo, todas as paróquias passarão a ter estes projetos e eles serão tão naturais que todos os pais irão aderir, à semelhança do que sucede já no Chile, por exemplo.

Outro problema é o dos catequistas. Além de haver falta de catequistas para a catequese “normal” em algumas das grandes dioceses, esta necessidade de recrutamento é ainda mais específica, porque compreende o trabalho com adultos. Mas Cristina Sá Carvalho acredita que, com o aumento dos grupos de catequese familiar, irá aumentar também o campo de recrutamento de catequistas e outros agentes pastorais para as paróquias, pelo que o tempo é de avançar e trilhar caminho, e não de ficar com receio de perder esta ou aquela família em virtude de pais que demonstram menos interesse na educação cristã do seu filho.


Ricardo Perna


24 de setembro de 2014

A nulidade matrimonial no Sínodo


Em janeiro, D. Vincenzo Paglia, presidente do Conselho Pontifício para a Família, afirmava em entrevista à Família Cristã que os processos precisavam de ser mais céleres, a pedido do próprio Papa. Na semana passada, o Papa Francisco nomeou uma comissão para estudar «a reforma do processo canónico de casamento» e reforçou assim a ideia que já se vinha formando de que o Sínodo, agora ou em 2015, irá introduzir alterações aos processos de nulidade matrimonial.

Neste sentido, o que poderá mudar? «Se houver recursos e disponibilidade é possível que todo o processo seja mais célere, mas há prazos que nos obrigam a ir esperando. Há quem especule que a não necessidade de confirmação pode acontecer, mas a necessidade de confirmação é para salvaguardar algum tipo de arbitrariedade. Por mais sério que seja, pode ter escapado ao juiz alguma coisa, e um outro olhar dá-nos mais segurança na confirmação da sentença. Mas há a possibilidade de deixar a confirmação apenas para quem se sinta injustiçado», diz o Pe. Ricardo Ferreira, que adianta outra hipótese, «mais difícil». «Outra solução, mais difícil, seria prescindir da figura do defensor do vínculo, que é quem defende a validade do ato e aponta a fragilidade do processo», considera o sacerdote.

Pedro Vaz Patto, que é juiz, também concorda com a eliminação da obrigatoriedade da segunda instância. «A exigência da confirmação na segunda instância pode ser abolida, porque a esmagadora maioria das decisões são confirmadas. Salvaguardando sempre a possibilidade de uma das partes recorrer, pode eliminar-se a exigência», defende o magistrado.
Um maior investimento em recursos humanos nos tribunais eclesiásticos também contribuirá para diminuir não o tempo do processo, mas o período de espera entre a entrega do libelo e o início da instrução, que é, em alguns casos, o período mais demorado de todo o processo.

No que diz respeito a novos critérios de nulidade que possam ser estudados, o Pe. Ricardo Ferreira não está certo de que possam existir, mas não fecha a porta a essa possibilidade. «O código de direito canónico de 83 é o atualmente em vigor. A própria jurisprudência pode ir encontrando novas práticas que se vão enquadrando nos critérios que temos. Ultimamente o que temos verificado são as situações da falta de liberdade interna, que alguns tribunais consideraram como fator autónomo, mas que já se percebeu que está incluído nos fatores já definidos», indicou o sacerdote, que afirma, no entanto, que, à semelhança do cânone 1095, que foi «introduzido na última revisão», «pode acontecer que, no futuro, as novas revisões levem à criação de novos fatores que permitam perceber a nulidade», conclui.

Ricardo Perna

Nulidade matrimonial: é hora de desfazer mitos


Os processos de nulidade matrimonial surgiram na Igreja com a necessidade de declarar nulos os matrimónios que não cumpriam os requisitos de validade exigidos pela Igreja. Ao longo das últimas décadas, tanto o número de pedidos como as razões invocadas para a nulidade têm variado.
Dados de 2012 do Annuarium Statisticum Ecclesiae, editado anualmente pelo Vaticano, mostram que deram entrada nos tribunais eclesiásticos em Portugal 151 pedidos de nulidade matrimonial, aos quais se juntaram mais de 200 casos que transitaram do ano anterior. São número extremamente pequenos para a realidade dos casamentos em Portugal (16.683 em 2012), mas que não correspondem à realidade das separações. De facto, o número de divórcios civis é muito mais elevado, e é sabido que muitos dos divórcios são de casamentos católicos, apesar de essa ser uma estatística impossível de ser feita, já que a Igreja não reconhece os divórcios civis como válidos e as conservatórias do registo civil não distinguem os divórcios originários em casamentos civis ou religiosos.

Apesar de poucos, os últimos anos têm registado um aumento contínuo dos pedidos de nulidade matrimonial. Em 2002 deram entrada nos tribunais em Portugal 105 pedidos, em 1982 apenas 17. Em todos estes anos, as razões invocadas para a nulidade encontram-se maioritariamente entre os cânones 1095 e 1107 do Código de Direito Canónico, que invocam «incapacidades de juízo acera dos deveres e obrigações que se devem assumir», segundo nos explica o Pe. Ricardo Ferreira, presidente do Tribunal Eclesiástico de Lisboa, que abrange ainda as dioceses de Setúbal e Santarém. A invocação destes cânones para a nulidade não tem sido uma constante ao longo da história. Em 1970, segundo o mesmo anuário estatístico, cerca de metade dos processos de nulidade (os dados apontavam para cerca de 100 processos em curso, sem indicação de quanto tinham dado entrada nesse ano) invocavam razões de não consumação do matrimónio, muito provavelmente devido aos casamentos “arranjados” entre famílias, ou que decorriam de pressões e escolhas condicionadas dos noivos.

Hoje, as razões invocadas abrangem mais questões de maturidade e são «transversais» a todos os extratos sociais. «Não podemos dizer que há um grupo específico que invocam mais este capítulo, é transversal, meios urbanos, rurais, é uma realidade que tem a ver com a própria natureza humana e com a formação dos nossos jovens que mais tardiamente têm consciência da necessidade de assumir responsabilidades», explica o presidente do tribunal do Patriarcado.

Pedro Vaz Patto
Juiz do Tribunal Eclesiástico de Lisboa
Este número não corresponde, no entanto, ao número de contactos que os tribunais recebem. «O número de contactos é muito superior ao número de processos iniciados em cada ano, mas é impossível saber estatísticas, porque às vezes é apenas um telefonema, ou pedimos o relatório preliminar do que sucedeu e depois as pessoas não redigem… enfim, há várias razões», explica o Pe. Ricardo Ferreira.

Apesar do aumento de casos, há um desconhecimento muito grande sobre os processos de nulidade do matrimónio, aliado ao facto de se terem criado muito mitos sobre o assunto. «Muitas das situações de divórcios poderiam ser regularizadas com a declaração de nulidade, e assim evitar o sofrimento de muitas pessoas», sustenta Pedro Vaz Patto, juíz do Tribunal Eclesiástico de Lisboa.
Neste sentido, procuramos, de seguida, desfazer alguns dos principais mitos que se criaram à volta da declaração de nulidade matrimonial.

A nulidade é como se fosse o divórcio para a Igreja
Muitos consideram que, fracassado o casamento, se pode pedir a anulação pelas mesmas razões que se pede o divórcio no civil. Tal não é verdade. Apesar de uma sentença de nulidade implicar o divórcio civil, o contrário não se verifica necessariamente, pois não é possível pedir a anulação do matrimónio contraído. Declarar nulo um matrimónio significa afirmar que, no momento em que pronunciaram os votos, nem todos os requisitos para esse pronunciamento estavam cumpridos. Na prática, significa dizer que o matrimónio nunca existiu de verdade, já que estava ferido de um ou outro requisito. Como tal, quem se pretende separar apenas porque a “relação não resultou”, ou porque “deixou de gostar”, não encontrará motivo válido dentro da Igreja para o fazer. Recebida essa declaração de nulidade, as pessoas podem contrair matrimónio válido pela Igreja, uma vez que, na prática, nunca o contraíram antes.

Os processos de nulidade demoram anos a começar
É comum ouvirmos dizer que os processos demoram anos entre o primeiro contacto e o seu términus. Mas tal não é bem verdades nos dias de hoje. Os processos demoram, em média, 1 ano e meio a serem concluídos (entre a primeira sentença e a confirmação do tribunal de 2ª instância), e esses são prazos que se mantêm estáveis. O que fazia os processos demorar muitos anos, no passado, era o início da instrução. Com tribunais com poucos recursos humanos, os processos estavam anos à espera de serem iniciados, mas essa é uma realidade em mudança nos dias de hoje. «Processos que deram entrada no início deste ano vão iniciar instrução em setembro», confirma o Pe. Ricardo Ferreira, que alerta para as condicionantes que surgem no processo e que podem tornar tudo mais demorado. «Os contactos com a parte interessada ou com a outra parte, que nem sempre são céleres, muitas vezes por causa da outra parte, que muda de casa, ou não responde. Se há uma testemunha que está noutra diocese ou fora do país, por exemplo, demorará sempre mais tempo a responder. Mas se tudo estiver centralizado aqui, em poucos meses iniciamos a instrução e entre 1 ano e 1 ano e meio é o tempo que é necessário para concluir», afirma. A Família Cristã contactou com uma pessoa que está com o processo de nulidade a decorrer em Lisboa, que confirmou esses prazos. A natureza do seu caso particular obrigou a um recurso a Roma e a demoras nas respostas da outra parte interessada, mas os timings confirmam os indicados pelo Patriarcado. Já em Lamego a realidade ainda não é tão célere a iniciar. «Neste momento [os dados foram fornecidos no final de julho], o TIV (Tribunal Interdiocesano Vilarealense) está a analisar os pedidos que deram entrada no ano de 2012», informa o Pe. José Alfredo Patrício, da diocese de Lamego.
No entanto, ambos os sacerdotes contactados pela Família Cristã confirmam a aposta que tem sido feita na formação de recursos humanos para dar respostas mais céleres aos pedidos que vão surgindo em cada vez maior número.

Os processos de nulidade são muito caros
Este é outro mito que se foi instalando ao longo dos anos, alimentado por advogados que cobram valores exorbitantes para defender as causas de nulidade. A Família Cristã sabe que há advogados em Lisboa que cobram 8 mil euros só para tratar de um caso de nulidade matrimonial, entre honorários e custas judiciais efetivas. «Isso é um perfeito disparate, porque está muito acima das custas dos tribunais, e são honorários que não fazem sentido», considera Pedro Vaz Patto. Quanto custa então um processo de nulidade no tribunal? «Os custos variam conforme as diligências necessárias. Se têm perícias, muitas testemunhas, diligências para outras dioceses ou estrangeiro, fica mais caro. Mas o custo normal ronda entre os 1000 e os 1500 euros em Lisboa», diz o Pe. Ricardo Ferreira. Em Lamego o custo situa-se «entre os 900 e os 1200 euros», segundo o Pe. José Alfredo Patrício. Mas até pode nem custar nada. Segundo o Anuário estatístico da Igreja, em 2012, 1/3 dos processos tiveram algum tipo de patrocínio, total ou parcial, da parte do tribunal, e já há décadas que é assim, já que os dados de 1985, primeiro ano em que é publicada essa informação, mostram que, dos 17 casos em julgamento nesse ano, 12 tiveram apoio e apenas 5 foram pagos na totalidade pelos requerentes. «Desde que façam prova, não é por falta de dinheiro que as pessoas não são atendidas. Até há pessoas a pagar em prestações, pelo que todos são atendidos», diz o Pe. Ricardo Ferreira. Em Lamego o processo é semelhante. «Quando as Partes não podem pagar as custas judiciais, requerem ao TIV a redução das custas ou, eventualmente, o patrocínio gratuito que, sempre que foi requerido, nunca foi negado», diz o sacerdote.
Nem o recurso a um advogado canónico é necessário no processo, já que o Tribunal eclesiástico presta todo o apoio legal necessário, pelo que é possível recorrer apenas ao tribunal para iniciar e conduzir todo o processo.

Não consigo pedir a nulidade porque a outra parte não quer
O processo de nulidade matrimonial exige que seja dada oportunidade a ambas as partes de se pronunciarem. Não é possível que uma parte trate do processo sem a outra ter conhecimento, mas isso não significa que o processo só avança com as duas partes. «Quando o libelo é entregue no tribunal eclesiástico, é aberto o processo de instrução. O processo é requerido por uma das partes, mas a outra parte tem de ser ouvida, ou tem de lhe ser dada oportunidade de ser ouvida, mesmo que ela não queira», explica Pedro Vaz Patto. Esta necessidade faz recuar muitas pessoas, já que acham que o processo se vai arrastar, ou mesmo terminar, caso a outra parte não queira participar nele. No entanto, se não houver resposta da outra parte, feitas as diligências oficiais, o processo segue na mesma, pelo que é possível obter a nulidade do matrimónio, mesmo que a outra parte não queira participar no processo.

Ricardo Perna

23 de setembro de 2014

Família, um projeto...

No último fim de semana participei em Fátima nas jornadas nacionais, missionárias e juvenis, cujo tema foi "Família, um projeto..." Uma excelente forma de entrar neste clima de preparação para o Sínodo sobre a família, que começa daqui a alguns dias em Roma. De facto, a família é sempre um projeto, sempre em construção e sempre aberto, e as excelentes reflexões que ali se propuseram foram certamente uma bela contribuição para centenas de jovens, discípulos e missionários de Cristo refletirem sobre este que é um dos temas mais delicados da sociedade atual.

Ir. Darlei Zanon
Religioso Paulista
A família como projeto leva a considerar questões fundamentais, afinal, fazer um bom projeto implica pensar, refletir, preparar, analisar alternativas, pedir ajuda... coisa que a maioria das família hoje formadas não consegue fazer, às vezes pela falta de preparação e de tempo (são formadas por impulso ou por pressão) e às vezes simplesmente por comodismo. Um projeto é muito mais do que buscar a estabilidade profissional, económica ou social. Um projeto existe para a melhor concepção e resultado, para que a edificação seja perfeita. Existe para que o percurso seja consciente, e não segundo a lógica do "desenrascanço". Existe para gerar unidade e sintonia, e não um grupo de pessoas que habitam no mesmo espaço mas vivem refugiadas em mundos divergentes.

Ter a família como um projeto significa contrariar a tendência social atual, envolvida por uma cultura do individualismo, do hedonismo, das aparências, da busca de protagonismo. Projetar uma família é fazer exatamente o contrário, priorizando a comunhão, o coletivismo, a profundidade, a relação, os verdadeiros valores. Significa construir uma comunidade de vida e de amor, onde se partilham as expectativas, as conquistas, as decepções, os encontros e desencontros, as feridas, as dores, os sofrimentos e as superações, as alegrias e as esperanças.

A família não é certamente um projeto simples, fácil, mas é um projeto essencial para uma vida feliz, o único meio para a construção de uma sociedade com valores e realização. E como diz o Papa Francisco, o cristão deve "primeirear" na construção deste modelo de família, ou seja, deve tomar a iniciativa, dar o exemplo, ser o primeiro. Mãos à obra, pois o projeto já está em curso.

18 de setembro de 2014

Conhece a proposta da Igreja para a sua família?




Muitos acham que a Igreja é contra o preservativo e a pílula apenas e só porque é antiquada. E se lhe disséssemos que há razões fundamentadas para esta oposição, e alternativas bem mais eficazes que o velho método do calendário? Se está a levantar o sobrolho neste momento, abanou a cabeça ou fez um esgar de espanto e incredulidade, continue a ler que vai valer a pena. 

texto Ricardo Perna

Desde o início da história da Igreja que se fala da importância da família e do número grande de filhos. Fosse por necessidades económicas, fosse por não haver métodos de planeamento familiar eficazes, as famílias ao longo da história apresentavam sempre um grande número de filhos. Não se conhecendo bem a realidade, considerava-se que o homem era o portador da vida e a mulher o terreno fértil onde a sua “semente” era plantada. Isto reforçou as teorias que apontavam como errado certos atos sexuais, como a masturbação, ou algumas posições nas relações sexuais que levavam ao desperdício dessa “semente”.

O crescimento da sociedade e a evolução da ciência permitiu que no final do séc. XIX se descobrisse que a mulher tinha um período fértil e que ela também participava no processo de geração de vida, não apenas o homem. Baseado nesta descoberta, foi pedido às mulheres que procurassem fazer um calendário dos seus períodos férteis e os definissem a partir daí. «A técnica foi útil para muitos casais, mas o ciclo da mulher é variável e influenciado por fatores externos, pelo que o método mostrou-se muito falível», diz-nos Mary Anne d’Avillez, enfermeira que se dedica ao trabalho na área do planeamento familiar.

É dentro de uma sociedade que começa a pensar nas questões do planeamento familiar e da necessidade de planear o futuro da família, fosse porque vivam em zonas urbanas, em casas mais pequenas, ou porque a mulher começava a ganhar uma maior independência, ou porque havia uma mentalidade mais individualista que começou a ganhar forma com o maio de 68 em França, que surge um dos documentos mais polémicos e incompreendidos da Igreja nas últimas décadas: a Encíclica Humanae vitae. «Quando as questões à volta do planeamento familiar se colocaram, no âmbito de buscar uma paternidade responsável, o Papa Paulo VI propôs uma comissão de estudo inovadora naqueles tempos, porque incluía o testemunho de casais de leigos», conta o Pe. José Manuel Pereira de Almeida, coordenador da Comissão Nacional da Pastoral da Saúde.

Pe. José Manuel Pereira de Almeida
Coordenador Nacional da Pastoral da Saúde
Esta encíclica pretendia regular todas as questões relacionadas com o matrimónio e o planeamento familiar, mas as suas ideias e propostas nunca foram plenamente conhecidas, mesmo nos dias de hoje. Criaram-se muitos mitos à volta desta encíclica e do entendimento da Igreja sobre o planeamento familiar. Que as relações sexuais depois do casamento são apenas para procriar é logo o primeiro. O ponto 12 da encíclica fala no duplo significado da relação sexual do casal, o «significado unitivo e o significado procriador». «Na verdade, pela sua estrutura íntima, o ato conjugal, ao mesmo tempo que une profundamente os esposos, torna-os aptos para a geração de novas vidas, segundo leis inscritas no próprio ser do homem e da mulher», pode ler-se no documento. Aliás, a noção de que o ato sexual serve apenas para o prazer do casal, seguros de que não estarão a procriar, aparece mais à frente, no ponto 16. «A Igreja é a primeira a elogiar e a recomendar a intervenção da inteligência, numa obra que tão de perto associa a criatura racional com o seu Criador. […] Se, portanto, existem motivos sérios para distanciar os nascimentos, que derivem ou das condições físicas ou psicológicas dos cônjuges, ou de circunstâncias exteriores, a Igreja ensina que então é lícito ter em conta os ritmos naturais imanentes às funções geradoras, para usar do matrimónio só nos períodos infecundos e, deste modo, regular a natalidade.» Apesar de estar clara a posição da Igreja, as pessoas não a conhecem.

Mas o que significa então ter em conta «os ritmos naturais» do ser humano para o casal poder expressar o seu amor um pelo outro através da relação sexual sem correr o risco de engravidar? Na altura, a única proposta existente era o chamado método do calendário, ou das contas, já referido acima, e isso não foi muito bom. O Pe. José Manuel considera que ainda hoje se faz sentir o peso de uma encíclica que teve «má publicidade», por culpa própria. «Quando a Humanae vitae é aprovada, a proposta que a Igreja tinha era a abstinência periódica regulada por um ciclo com contas feitas aos 28 dias. Essa proposta, que não era nada eficaz, temo que tenha sido uma proposta tão fora das expectativas das pessoas, e com resultados falíveis, que as pessoas disseram “bem, isto é um peso que nos colocam a nós em que eles não estão a ajudar nem com um dedo”, e isso criou resistência ao documento por parte dos casais na altura», considera o sacerdote.

Ciente de que a proposta da Igreja tinha falhas nesta área, Paulo VI pediu a médicos e cientistas católicos que procurassem respostas, sem saber que a solução já estava a ser pesquisada na Austrália. John Billings e a esposa eram um casal de médicos a quem o seu pároco pediu que auxiliassem as mulheres da paróquia a utilizarem o método do calendário, na sequência da Encíclica Humanae vitae. Ao verem os resultados tão fracos que obtinham com aquele método, John Billings fez uma investigação profunda e percebeu que a mulher produzia um muco que se revelava em determinadas alturas do mês. Nesse sentido, pediu a 100 mulheres que se disponibilizassem para registarem diariamente a observação desse muco e recolherem urina, a fim de se fazerem análises hormonais. «Ao fim de seis meses, compararam as observações das mulheres com o resultado das análises e viram que havia uma correlação entre o aparecimento do muco fértil e o seu desaparecimento e os períodos de fertilidade. Isso era um sinal direto do que se estava a passar no aparelho reprodutor», explica-nos Mary Anne d’Avillez. Este método revelou-se tão eficaz que a Organização Mundial de Saúde (OMS) pediu ao Dr. Billings que patenteasse o método, a fim de evitar réplicas mal fundamentadas, e assim surgiu um método que, não sendo contracetivo, permite regular os nascimentos à medida dos desejos do casal.

Mary Anne d'Avillez
Para além deste, surgiu mais tarde o método sintotérmico, que alia o método Billings à medição diária da temperatura corporal para um diagnóstico complementar. Estes métodos são diferentes dos métodos hormonais ou do preservativo uma vez que os outros métodos são contra a conceção, impedem que ela aconteça ao colocarem uma barreira, no caso do preservativo ou dos dispositivos intrauterinos, ou ao provocarem alterações hormonais na mulher, no caso da pílula. Além disto, respeitam os ritmos do corpo, não introduzem alterações hormonais nas mulheres nem acarretam os riscos para a saúde que vêm descritos na bula da pílula. A aplicação do método Billings é simples, pois apenas necessita de uma observação diária da mulher, e não depende, ao contrário do que se pensa, da regularidade dos ciclos menstruais da mulher, mas carece de instrução para garantir uma aplicação correta. «Esse mito da regularidade tem a ver com o método das contas, que para aqui não interessa nada. A mulher tem de definir como é o seu período infértil, e conhecer o seu corpo. Inicialmente isso pode parecer complicado, mas a certa altura torna-se automático perceber estas diferenças, torna-se parte da rotina diária», defende Mary Anne d’Avillez, que dá formações nesta área. «Os casais que pretendem utilizar estes métodos têm uma primeira sessão de esclarecimento, levam para casa um gráfico que preenchem, e depois vêm a consultas de acompanhamento uma vez por mês durante mais três meses, em que ela traz o gráfico e percebemos se as medições e observações foram bem feitas. Só aí é que consideramos o casal autónomo. Um casal que venha depois reclamar que o método falhou mas nunca veio às consultas de acompanhamento não tem razão, porque quem falhou foram eles, e não o método», sustenta a enfermeira.

Mas se são tão eficazes, porque é que raramente se ouve falar destes métodos? «Há um lobby muito grande dos laboratórios. Repare: é uma mulher saudável que vai tomar um medicamento todos os dias durante anos, portanto estudos a longo prazo sobre os efeitos desses métodos contracetivos não se conhecem muitos e há silêncio nessa matéria, o que é logo um pouco suspeito», critica Mary Anne d’Avillez. O facto é que, dentro da própria Igreja, há silêncio sobre esta matéria. «Há hoje questões de omissão, é verdade. Há pouca preparação geral, e por isso temos de fazer formação, quer de formadores, quer das pessoas, sacerdotes e casais leigos», reconhece o Pe. José Manuel Pereira de Almeida, para quem a Igreja «precisa de compreender a realidade, acompanhar a mentalidade dos tempos novos, sem nunca deixar de perceber que a proposta que fazemos tem uma sabedoria secular que lhe dá credibilidade, mesmo sobre o ponto de vista sacramental».

Mary Anne d’Avillez defende que o CPM deveria abordar obrigatoriamente as questões do planeamento familiar. «É um assunto que deveria fazer parte dos CPM, mas muitos dos casais que estão a dar os CPM não o fazem, e por isso não falam disso», critica esta responsável, para quem a «ignorância» existente é a razão pela qual as pessoas não aderem, não a falta de eficácia do procedimento. Entender as realidades dos casais é o caminho a seguir, para o Pe. José Manuel. «Teremos de pensar na reproposta de uma vida a dois. Sem invasão da vida íntima de cada casal, porque não se deve fazer algo só porque a Igreja diz, mas sim porque o casal percebe que é o melhor bem», afirma o sacerdote, que acrescenta que a Igreja não tem visão limitada das coisas. «Não somos adoradores do método natural, longe disso, apesar de reconhecermos que é a melhor opção para a generalidade dos casos. Mas se o marido está emigrado e apenas vê a mulher poucos dias num ano, ou se por qualquer razão se veem impedidos de estarem sempre juntos, é legítimo que se compreenda essas realidades. O importante é que na base de tudo não esteja uma mentalidade contracetiva, que está ligada ao relativismo e ao individualismo dos dias de hoje, mas uma postura de abertura à vida que o casal deve ter. A criança é, hoje, o último eletrodoméstico a adquirir no caminho de estabilidade do casal, e isso é que está errado», considera o coordenador da Pastoral da Saúde.

São tempos novos, estes. E por isso a resposta da Igreja deve ser adequada. E para isso contribuem os documentos da Igreja, que propõem uma vida em casal estável, responsável, onde a família cresce à medida dos desejos e possibilidades do casal, numa dinâmica em sintonia com o Evangelho. Estão os católicos disponíveis para conhecer e viver esta realidade?

Contactos para quem quer saber mais 
Todas as informações relativas ao método Billings estão disponíveis no sítio Web www.woomb.org. Em Portugal, os interessados podem contactar:

Movimento de Defesa da Vida
planfam@mdvida.pt
217 994 530

Associação Família e Sociedade
info@familiaesociedade.org
213 138 350