29 de outubro de 2015

Cardeal-Patriarca pede «apostolado familiar nas comunidades» e rejeita comunhão aos recasados


D. Manuel Clemente, Cardeal-Patriarca de Lisboa e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) afirmou hoje em conferência de imprensa no Patriarcado de Lisboa que é preciso «investir muito mais» do que até agora na formação e preparação para o matrimónio. «Temos de investir muito mais nas áreas da preparação do matrimónio e na nulidade. Se estamos num debate grande e diferenciado em que queremos que a Igreja se assuma como família de famílias, temos de investir muito mais nisto», afirmou aos jornalistas presentes.

Questionado sobre se a CEP irá uniformizar os procedimentos em todo o país com algum documento base, o seu presidente diz que haverá «indicações», mas que a solução não vira das instituições, mas sim das próprias famílias. «A esperança está no apostolado familiar nas comunidades, sujos resultados serão muito melhores que uma intervenção institucional a nível nacional. Elas é que podem fazer esse acompanhamento da melhor forma, com princípios gerais de elucidação e acompanhamento que sirvam de exemplo aos mais novos», referiu o prelado.

Reafirmando que a proposta católica é «para quem deseje aceitá-la», D. Manuel Clemente rejeitou que o documento final do Sínodo tenha trazido grandes mudanças. «O projeto católico é uma das propostas existentes na nossa sociedade. Haverá outras, e os casais poderão escolher, mas a nossa proposta é clara e está bem definida», referiu quando questionado que mudanças poderia haver para os divorciados recasados, uma das áreas mais mediáticas do último Sínodo. «O sacramento não pode contrariar outro sacramento, e se há uma união sacramental, não pode participar na comunhão», defende o presidente da CEP.

Isto não significa, no entanto, que o resto da vida comunitária paroquial e de ministérios esteja negada a estes casais. «Dependendo da sua caminhada e testemunho, podemos questionar, como o fizeram o Papa Francisco e o Papa Bento XVI enquanto eram bispos, se não haverá espaço para estes casais nos diferentes ministérios da paróquia, e porque não até podendo assumir as responsabilidades de padrinhos nos batizados. É preciso analisar a situação de cada um e responder em conformidade», disse.

Considerando que «o critério familiar tem de ser o critério de pastoral» a partir de agora, D. Manuel Clemente a família tem de «ser a base de tudo o que se faz na pastoral». «Se estamos num ambiente em que a problemática familiar se põe desta forma, temos de tirar conclusões práticas para o acompanhamento das famílias», disse, acrescentando que «tudo passa pela colaboração dos leigos com os sacerdotes» em cada comunidade.

Situação política deve resolver-se à luz do bem comum 
No final da conferência de imprensa, D. Manuel aceitou comentar a situação política do país, e retomou o que já tinha dito em entrevista à Família Cristã antes das eleições. «Para os cristãos, que existem em todas as forças políticas do nosso país, e para todos os que se declaram admiradores das palavras do Papa Francisco, pedimos que tomem em conta o que o Papa tem dito, a Doutrina Social da Igreja e a última encíclica papal, que fala da ecologia integral», sustentou.

«Se há pessoas que se dizem católicas, então levem isso até à consequência da sua ação partidária», pediu, relembrando os quatro pilares sobre os quais considera que a política deverá assentar a sua ação. «Há princípios que são nossos e que não abdicamos: o respeito pela vida e dignidade humana, o bem comum, a solidariedade e a subsidiariedade. Na conjugação destas quatro rodas, o carro anda bem», assegurou.

Texto: Ricardo Perna
Fotos: Ricardo Perna

28 de outubro de 2015

Um Sínodo pela saída da Igreja ao encontro das pessoas

 
O mundo católico, e não só, tinha os olhos postos em Roma este fim-de-semana. Terminava o Sínodo dos Bispos, a face mais mediática de um processo sinodal que apenas se concluirá com a palavra do Papa Francisco. O Papa decidiu dedicar cerca de dois anos da vida da Igreja à temática da Família, célula base e nuclear da sociedade, mas que a sociedade tinha decidido ignorar. A sociedade e a Igreja, que tinha passado, com os séculos, de um movimento de fervorosos fiéis que percorriam o mundo a anunciar a Boa Nova, a uma instituição aberta apenas aos que decidiam entrar e vir ter com ela.

E esta é a primeira consequência visível deste processo sinodal: a Igreja abriu as suas portas e vai sair à procura de todas as ovelhas que se perderam. O Sínodo alertou, como tinha vindo o Papa a fazer, para a necessidade de acolher a todos, para a necessidade dos católicos, religiosos e leigos, abrirem as portas dos templos e saírem à procura das pessoas onde elas estão. Esta atitude missionária não é novidade na Igreja dos dias de hoje, mas estava limitada a uma minoria que compreendia esta necessidade e partia.

Agora não há volta a dar: Francisco e os padres sinodais abriram as portas da Igreja e querem acolher todas as pessoas, principalmente aquelas que mais precisam do ombro amigo de Deus e que eram os que mais se afastavam: as famílias em situações irregulares, sofridas, que erravam e eram afastadas. Para isto, o Sínodo pediu uma linguagem positiva, que não afaste as pessoas, mas as acolha e acompanhe. Todos têm lugar na Igreja, sem implicar que todos tenham ficado subitamente em estado de graça e sem pecado.

Acolher não significa aceitar ou concordar com as más ações, e foram muitos os padres sinodais que o foram dizendo ao longo deste tempo. Significa sim que a Igreja tem de ter uma resposta clara para todas as situações, que integre e que não afaste, e que seja sensível às realidades de cada um. O que nos leva à segunda consequência visível: os sacerdotes, religiosos e leigos precisam de formação. Precisam de aprender a acolher, a discernir as diferentes situações que lhes são apresentadas todos os dias, e a saber quais as respostas que a Igreja tem para propor a cada pessoa. Não há respostas gerais, e o Sínodo foi claro nisso. Cada pessoa é um caso, e tem de ser tratada como tal, como indivíduo que é.

A face mais visível desta questão é que os leigos que se aproximam da Igreja, ao serem afastados, podem hoje olhar para quem afasta e bater o pé: a Igreja é de todos, inclusive dos que erram, e ninguém pode ser afastado do regaço de Deus.

O Sínodo não esqueceu a enorme quantidade de divorciados recasados que existem no mundo, e que precisam de uma resposta. Muitos poderão pensar que a resposta foi dada nos pontos mais polémicos do relatório final, apontando um caminho de discernimento que pode levar, em alguns casos, ao acesso pleno aos sacramentos, mas isso é apenas parte da verdade. Como tem feito nestes dois mil anos, a Igreja não funciona ao ritmo das pessoas,funciona com uma visão mais ampla e profética, e foi nesse sentido que pensou em tudo.

Antes de mais, com a simplificação dos processos de nulidade. Processos mais céleres para as situações onde, claramente, o vínculo nunca existiu, vai permitir que a grande maioria das situações fiquem resolvidas, como têm vindo a afirmar bispos e sacerdotes durante este tempo sinodal, como disse D. Manuel Clemente à Família Cristã, antes da sua partida para Roma. Com processos mais rápidos e tendencialmente gratuitos, muitas das pessoas que hoje sofrem por não poderem aceder aos sacramentos poderão fazê-lo, se perceberem que, como acontecerá com a maioria, esse vínculo não foi válido e podem avançar para legitimar esta nova união.

Mas porque isto de declarar nulidade não pode ser o pão nosso de cada dia, a Igreja deu outro passo importante com a preparação para o matrimónio. Antes do Sínodo, D. Joseph Coutts, do Paquistão, dizia, em entrevista à Família Cristã, que não era justo colocar um peso tão grande em cima de um casal que tinha acedido ao sacramento do matrimónio com tanta facilidade, sem qualquer preparação. E os padres sinodais, apesar de terem hesitado mexer nesse tema no sínodo anterior, neste foram claros ao afirmar que é necessária uma preparação para o matrimónio mais intensa, prolongada no tempo, que envolva a comunidade e promova a integração dos noivos nessa mesma comunidade, cultivando uma relação que se vai manter depois do matrimónio, com um acompanhamento mais próximo desses casais.


Com noivos conscientes do sacramento, devidamente integrados na comunidade paroquial que os acolhe, e devidamente acompanhados nas alegrias e nas tristezas, o risco de rutura diminui consideravelmente, se é que não desaparece. O risco é que desapareçam também os casais interessados no matrimónio religioso, mas não acho que seja um risco real. Mesmo que diminuam no início, a proposta de felicidade que a Igreja tem para os casais cativa e atrai, e o que todos os casais procuram é a felicidade conjugal. Percebendo que a encontram na proposta da Igreja, voltarão como voltou o filho pródigo depois de tentar um estilo de vida afastado do Pai que não lhe trouxe felicidade.

Depois de tudo isto, resistirão algumas situações de divorciados que entraram em rutura, cujo vínculo foi válido, e também a esses é preciso dar resposta, e é apenas aí que surgem os tais pontos polémicos, que mais não fazem que ir ao encontro das pessoas e das suas vidas. O resultado será diferente para cada um, e pode acontecer que, em alguns casos, se chegue à consciência de que é possível chegar a aceder aos sacramentos da comunhão e da confissão. Ou não. Mas mesmo que não seja possível isso, será possível uma outra proposta que enquadre essa pessoa navida da Igreja e possibilite a participação tão plena quanto possível na vida da Igreja. Se tiver este acompanhamento, mesmo sem comunhão ou confissão, a pessoa estará enquadrada na Igreja e será feliz, porque Deus tem uma resposta para ela.

Agora vem o maior desafio: conseguir que as estruturas locais da Igreja recebam a mensagem do Sínodo e comecem a procurar formação, a ir ao encontro das pessoas, a acolher a todos, a preparar bem para o matrimónio. Sim, o Sínodo arranjou uma carga de trabalhos para toda a gente, e o principal risco de tudo ficar na mesma não é o conteúdo das propostas, é a inércia dos católicos que não sejam capazes de abrir o coração e escutar o que o Sínodo lhes pede, pelo bem de todos.

Opinião: Ricardo Perna
Fotos: Ricardo Perna e Lusa

27 de outubro de 2015

Noção de continuidade ajudou a superar tensões, diz perito português



O Pe. Duarte da Cunha, que acompanhou os trabalhos do Sínodo 2015 como perito nomeado pelo Papa, considera que as três semanas de debate sobre a família realçaram a «continuidade» da doutrina católica, superando tensões. Em entrevista à Família Cristã e à Agência ECCLESIA, o secretário do Conselho das Conferências Episcopais Europeias (CCEE) fala em dois anos de «muita reflexão», desde que o Papa decidiu convocar os bispos de todo o mundo para debater a família, admitindo que «a certa altura houve uma tensão entre o que é novo e o que é antigo». «Todo o processo foi a compreensão desta continuidade, quer desde o Evangelho até agora, do Concílio Vaticano, da Humanae Vitae, da Familiaris Consortio. O que há de aprofundamento e de desenvolvimento, até relativamente aos conceitos e de mudança da realidade sociológica, não está em contradição com aquilo que é a continuidade», precisa o especialista.

O sacerdote português refere que no ensinamento dos últimos Papas, «com as diferenças necessárias», houve «uma continuidade, quer do amor à família, quer da verdade da família, de conceitos da teologia moral que são sempre válidos, mas que não podem ser sempre ditos da mesma maneira».

Nos trabalhos da 14ª assembleia geral ordinária do Sínodo, este responsável encontrou participantes com um conhecimento concreto da doutrina, como no caso do planeamento familiar natural, contrariando a crítica de estarem apegados a conceitos mas longe da realidade. «Depois há os outros mais aplicados à realidade, mais sensíveis aos problemas e que às vezes aparentemente descuram mais a doutrina. Isto também não é verdade», prosseguiu. No final do Sínodo, o relatório entregue ao Papa foi aprovado por unanimidade, símbolo da unidade e do «bom ambiente» com que decorreram os trabalhos.

O sacerdote português observa que a assembleia sinodal que se concluiu no domingo «exige que a pastoral, a moral, não sejam desligadas da reflexão teológica, doutrinal, sociológica do que é a realidade da família». «Isso foi algo que ao longo do processo dos dois anos às vezes parecia que estava em tensão, daí a insistência: não são duas coisas distintas, coisas separáveis», relata. Para o secretário do CCEE, é necessário compreender que «a moral é sempre consequência do ser» e que, no caso das famílias, as normas se referem à forma como «cada pessoa dentro desta realidade tem relações e dentro dessas relações qual é o comportamento». «A moral só se compreende, não porque se olha para a regras que são importantes, mas porque olhando para as relações reais, se percebe qual é o ideal, o que se deve fazer, o que Deus recomenda. Depois também se percebe que há coisas que são objetivamente más, não se podem fazer», explica.

Dos pontos conclusivos, o padre Duarte da Cunha realça a preocupação com a formação de «comunidades de famílias» que sejam também o lugar onde se prepara para o casamento, «que os noivos sejam preparados para o casamento integrando uma equipa de casais da paróquia ou da associação». Outro aspeto que não era «tão evidente» está relacionado com o «dinamismo da família» como sujeito da pastoral do setor. «Também há uma mudança da perspetiva da família, não só como tema moral mas também como dinâmica de amor, de misericórdia», conclui.

Texto: Octávio Carmo
Fotos: Ricardo Perna

26 de outubro de 2015

«A indissolubilidade do vínculo não é um jugo, é um dom»


D. Antonino Dias, bispo de Portalegre e Castelo Branco e presidente da Comissão Episcopal do Laicado e Família, foi um dos dois delegados da Conferência Episcopal Portuguesa enviados ao Sínodo. Numa conversa com a Família Cristã e a Agência Ecclesia, faz o balanço deste encontro de gentes e realidades de todo o mundo, e aponta já caminhos para as comunidades diocesanas portuguesas começarem a trabalhar com os resultados desta reflexão feita em Roma.

Foram três semanas de muito trabalho e reflexão, na procura de convergências. Regressa a Portugal com a ideia de uma Igreja que tem de estar ao lado de todas as famílias e acompanhá-las sempre? 
Foi de facto um encontro muito importante e rico no conteúdo e na diversidade de pessoas, culturas e línguas, de experiências em relação à família. O Sínodo não terminou, agora é que começa, quando se vai pôr em prática aquilo que foi aqui falado. O Sínodo todos os debates que se fizeram não foram para ganhar ou perder, mas sempre em busca da verdade e daquilo que será mais conveniente para continuarmos a estar ao lado da família, a promover a família e a abrir perspetivas, caminhos de pastoral. É preciso abrirmos caminhos novos para pôr em prática o que sentimos que ainda é preciso levar à prática. Não é tanto na doutrina, mas mais em como levar a doutrina à prática. Falou-se na preparação mais insistente e permanente para o matrimónio. É uma área onde precisamos de investir muito, porque muita gente aproxima-se do sacramento sem fazer ideia do que isso é. Não podemos supor, temos de formar e as pessoas que tomam essa opção tem de ter ideia da opção que estão a tomar.

O sínodo disse que se deve contar muito com a ajuda de casais e leigos especializados que possam ajudar as comunidades paroquiais a fazer uma espécie de ministério específico de acompanhamento da vida conjugal... 
A preparação para o matrimónio começa em casa, desde pequeninos, pela experiência que os filhos têm da vivência dos pais. Mas depois há todo um acompanhamento que as paróquias e os movimentos fazem, e as famílias sempre foram um apoio muito grande para a formação destas pessoas. Temos de olhar para a família como destinatária da evangelização, que o é, mas sobretudo como protagonista da evangelização. A família tem de assumir a sua quota parte de colaboração neste anúncio do Evangelho da Família, a começar por casa, mas depois abrindo-se à comunidade e prestando um contributo muito importante, experiencial, à própria comunidade. E isso pode ajudar muito os casais novos a valorizar o que é importante no sacramento do matrimónio e na própria família.

Nesta atenção pastoral, o documento final vincou uma atenção especial às famílias feridas por vários aspetos. Há três pontos que foram muito mediatizados, que dizem respeito ao discernimento para com os casais divorciados que voltaram a casar civilmente. É preciso esperar uma clarificação do Papa sobre como é que se pode aplicar este caminho de discernimento no terreno? 
Há muita gente que vai mais à frente, e outra que fica mais para trás. É bom que se coloque tudo sobre a mesa, mas a palavra final pertence ao Santo Padre. Este documento conclusivo dos bispos foi um poaio ao Santo Padre. Ele deu autorização que se publique, mas os padres sinodais pediram que ele publicasse um texto clarificador. Temos de aguardar um pouco, porque está nas mãos dele, e ele fará o discernimento necessário com o seu carisma petrino, e dar-nos-á uma importante mensagem, quando achar oportuno. Isto vai de encontro ao que dizia no início de encontrar novos caminhos pastorais.


É isso que se vai transmitir aos párocos e aos leigos em Portugal? 
Precisamos de despertar os leigos para a necessidade de eles serem evangelizadores. O laicado é um grande gigante adormecido e nós temos de o acordar. Esta nova evangelização de que tanto se fala, ou se faz com os leigos ou não se fará. De facto, os sacerdotes não conseguem fazer tudo e há muitas coisas que não sabem e têm de pedir a colaboração a quem esteja em melhor posição para fazer melhor. É importante que os leigos despertem para isto. É evidente que as famílias feridas que falou, a Igreja sempre teve uma grande sensibilidade para com elas, e procurou, na medida do possível, por vezes não tanto quanto seria necessário, mas sentimos sempre isso, acompanhá-las. Essas situações não são buscadas, são aceites com sofrimento. Não acontecem por capricho, e por isso essas pessoas sofrem. Depois há esse estigma de pensarem que estão fora da Igreja. Não estão, e foi isso que quisemos dizer aqui, inclusive na aula sinodal, que são pessoas que são pertença da igreja na mesma, e têm de ter consciência dessa pertença nessa situação em que se encontram, que será aí o seu caminho de santificação, não com atropelos, mas com o que a Igreja lhes diz: que podem crescer, acompanhar, inserir-se. Penso que a Igreja sempre esteve aberta a isso. Apesar de aqui ou ali ou acolá de vez em quando encontrarem uma porta fechada, mas esse não é o pensar da Igreja.

Este sínodo fica também marcado pelo anúncio oficial da criação da nova congregação para a Família e Leigos. Como é que vê essa nova congregação, e o que é que ela pode trazer de novo à Cúria e ao povo de Deus? 
Acredito que esta situação já fosse apontada há algum tempo, até porque o D. José Policarpo já tinha sentido essa necessidade e juntou as duas matérias numa só em Portugal. Penso que isto é muito bom, porque o apostolado laical e da família não existem um sem o outro, estão interligados.

Que novidades pode trazer ao trabalho da Igreja com a Família? 
Uma ação mais coordenada, com certeza, e mais inserida uma na outra, porque eram dois compartimentos, e pode ser que o trabalho seja mais harmonioso, mais profícuo, pelo menos estou esperançado que sim.

Que tipo de leitura podem e deve as famílias católicas portuguesas começar a fazer a partir deste relatório? 
O relatório é público, e os resultados dependem muito das dioceses e de quem elas têm à frente desta pastoral familiar. Embora aqui se dissesse que toda a pastoral diocesana devia estar imbuída do espírito familiar, tudo depende das estruturas diocesanas. E as estruturas são o que são e o que podem ser, mas é aí que temos de investir. Há muita coisa por onde pegar e desenvolver, porque a maior parte do relatório é pacífico, excetuando dois ou três pontos que têm de ter a resposta do Santo Padre. 

E como é que o presidente da Comissão Episcopal do Laicado e Família gostava que este tema fosse trabalhado pelas instâncias diocesanas em Portugal? 
Penso a prioridade deve ser reestruturar a preparação para o matrimónio. Intensificá-la, melhorá-la e que essa preparação comece também na juventude, não só nos CPM. Isso é bom e útil, mas é pouco, e esse é o grande desafio. As pessoas não podem aproximar-se para celebrar um sacramento se saberem o que implica esse sacramento, e sem essa consciência. E não só o sacramento, mas saberem que têm de fazer da família uma comunidade de vida e de amor. O importante é que as pessoas sejam felizes, e que entendam que a indissolubilidade do vínculo não é um jugo, é um dom, e que saibam valorizar esse dom e o saibam fazer crescer.

Mas nem sempre a preparação remota é possível, e as pessoas chegam à preparação imediata sem saberem o que vão fazer. É preciso dizer às pessoas "Não"? 
Isso era bom, mas vivemos num ambiente que quando se diz a uma pessoa que não está preparada para isto ou para aquilo, elas reagem mal. Portanto, tem de haver aí uma pedagogia muito importante. Cada um fará aquilo que puder dentro das suas dioceses. É importante que aqueles que se preparam para o matrimónio se insiram nas suas comunidades com alegria, com responsabilidade, não para os prejudicar, mas para os ajudar.

O Sínodo falou muito na necessidade da comunidade se envolver na preparação para o matrimónio. Como é que podemos fazer isso? As comunidades têm de acolher publicamente as pessoas, como antigamente? 
A minha diocese não é bem exemplo para isso, porque quando chega uma pessoa nova toda a gente vai querer saber quem são. Mas sim, acho que devemos retomar isso. Quando um casal jovem chega a uma comunidade e se integra na comunidade, socializa logo e é acarinhado e inserido, geram simpatia. Quando um casal vem para uma comunidade, mas vive afastado dela, tem mais dificuldade em se inserir, e nós precisamos dos outros para fazermos a nossa caminhada de fé, ninguém a consegue fazer sozinho, como se costuma dizer. Fazer da comunidade paroquial uma família mais alargada, uma família de famílias, é muito importante.




Texto: Ricardo Perna e Octávio Carmo
Fotos: Ricardo Perna

Presidente delegado do Sínodo confirma que discernimento «pode chegar até à comunhão» de recasados



O arcebispo da Aparecida, no Brasil, o Cardeal Raymundo Damasceno, declarou ontem à Família Cristã e à Agência Ecclesia que o caminho de discernimento que os casais divorciados recasados fazem com o seu confessor ou orientador espiritual pode «chegar até à comunhão e à confissão». «No contacto com um ou com outro casal que deseje ser acompanhado», e depois de «um discernimento sobre a sua situação», «quem sabe, num caso ou noutro, chegar até à comunhão e à confissão», confirmou o cardeal, em declarações proferidas em Roma, no final da missa conclusiva do Sínodo dos Bispos, que decorreu em Roma nas passadas três semanas.

O cardeal brasileiro explica que o «Sínodo não tomou nenhuma decisão» geral sobre o assunto, antes determinando que cada caso seja avaliado individualmente. «O Sínodo fala muito do discernimento, porque cada caso é um caso. Não podemos generalizar as situações dos casais que vivem uma segunda união, porque cada um tem uma situação muito concreta, muito especial, com todas as circunstâncias que rodeiam a vida dessa pessoa», explicou o prelado.

Neste sentido, o cardeal diz que o Sínodo apela a «um discernimento sério, objetivo, com uma consciência bem formada, aberta também à vontade de Deus, para que, quem sabe, se possa chegar a uma conclusão mediante a decisão de um confessor ou de um orientador espiritual, que possa acompanhar o casal nessa situação, se assim o desejar». «O documento do Sínodo está marcado por uma dimensão da misericórdia, da ternura da Igreja, sobretudo com aquelas famílias mais sofridas e que estão em situações mais difíceis, como é o caso das famílias dos migrantes, de quem sofre pobreza extrema, ou violência e perseguição, e as pessoas que vivem situações especiais na sua vida matrimonial», sustentou.

Nesta situação estão «pessoas que não foram felizes na sua primeira união matrimonial, se separaram, contraíram uma segunda união, e aí estão, muitas delas participando na vida da Igreja nas nossas comunidades, com a limitação do acesso à comunhão e à confissão», mas também muitas que «talvez nem procurem a Igreja para resolver essa situação que estão a viver». É a essas que o Sínodo quer chegar e integrar. «É importante a integração dos casais nas nossas comunidades, abrindo espaços para eles e possibilitando, evitando qualquer tipo de escândalo, a possibilidade de participar nos ministérios e se integrarem na vida da comunidade», pede.

O prelado brasileiro, que dirigiu os trabalhos do Sínodo, fez um balanço muito positivo da reunião sinodal, explicando que a metodologia «possibilitou um maior número de encontros por grupos de trabalho, e isso facilitou a participação» de todos num documento «consultivo» que, sabem, é um apoio para as decisões que o Papa irá tomar. «São estudos e propostas que os padres sinodais oferecem ao Papa. Cabe agora a ele tomar alguma decisão no sentido de publicar alguma exortação pós-sinodal ou qualquer outro tipo de documento, para que então as conclusões possam tornar-se efetivas nas nossas dioceses e nas nossas paróquias», conclui.





Texto: Ricardo Perna (com Octávio Carmo)
Fotos: Ricardo Perna

25 de outubro de 2015

Vaticano é a «casa de todos», diz bispo moçambicano


O arcebispo de Maputo, D. Francisco Chimoio, mostrou-se satisfeito com o desenrolar do Sínodo dos Bispos sobre as famílias e espera que os trabalhos ofereçam força e coragem às famílias católicas. “Queremos ajudar as famílias a ser cada vez mais fortes”, declarou o prelado moçambicano, em declarações à Agência ECCLESIA e Família Cristã, em Roma.

O arcebispo, que participou nos trabalhos da 14ª assembleia geral ordinária do Sínodo dos Bispos, sobre a família, elogiou as famílias “corajosas” que dão o melhor de si próprias face às dificuldades do seu quotidiano, com “amor, transparência e responsabilidade”. Após o final deste percurso de reflexão, o “grande trabalho” é acompanhar todas as famílias, para as “alertar e fortalecer”. D. Francisco Chimoio deixa críticas à ideologia do género, que “mina as bases da família”, antes de reconhecer que o debate sobre o acesso dos divorciados recasados à Comunhão causou alguma tensão, sublinhando que os bispos nunca “colocaram em questão a doutrina”. “Eu, como bispo, não posso dizer a um cristão ou a uma cristã, sabendo que não está em graça, que vá comungar”, observou.

Para o arcebispo de Maputo é necessário «acompanhar». «Não se pode apontar o dedo a ninguém, não se pode desprezar alguém só porque falhou», mas «acompanhar não é dizer que está tudo bem: é dizer a verdade, porque é esta que salva». O responsável mostrou-se impressionado com a situação em que muitos católicos vivem, por todo o mundo, e diz que também por isso o Sínodo «foi um momento de graça».

Além das perseguições religiosas e do fundamentalismo, muitos cristãos enfrentam os ataques do laicismo, «uma onda que há de passar com o tempo, porque não é possível que as pessoas se sintam felizes longe da presença de Deus». Em Moçambique começam a sentir-se os desafios do «materialismo e do relativismo» potenciados pela globalização, para além dos problemas levantados pelos casamentos de muitas mulheres com muçulmanos e deixam de fazer parte da comunidade cristã. «É um grande desafio que temos», admite D. Francisco Chimoio.

Nos trabalhos da assembleia sinodal, o prelado moçambicano abordou a dimensão «missionária» das famílias, que podem dar um «impulso» à ação da Igreja Católica, a começar pelos próprios filhos, na sua iniciação à fé. O responsável fala do Sínodo como um «encontro de irmãos» e descarta uma «regionalização» da Igreja Católica, evidenciando a centralidade da figura do Papa, «um pastor para todos». «É saudável isto, porque senão não temos unidade. Esta é a casa de todos, o Vaticano é a casa de todos», referiu, sublinhando que os bispos não trabalham «sozinhos».

D. Francisco Chimoio abordou ainda a nova responsabilidade que as dioceses assumem com a criação dos chamados «processos breves» em relação a uma eventual declaração de nulidade matrimonial. «Não vai ser um trabalho simples», admite.

Texto: Octávio Carmo
Fotos: Ricardo Perna

Papa rejeita fé pré-programada que ignora sofrimento alheio


O Papa alertou hoje no Vaticano para a tentação de uma “fé pré-programada” que ignora o sofrimento alheio em função da sua própria agenda. "Uma fé que não sabe radicar-se na vida das pessoas, permanece árida e, em vez de oásis, cria outros desertos", disse, na homilia da Missa conclusiva do Sínodo dos Bispos sobre a família, na Basílica de São Pedro.

Francisco partiu do relato da cura de um cego, por Jesus, para recordar que perante o sofrimento de Bartimeu “nenhum dos discípulos para”, mas “continuam a caminhar, avançam como se nada fosse”. “Se Bartimeu é cego, eles são surdos: o seu problema não é problema deles. Esse pode ser o nosso risco: face aos problemas contínuos, o melhor é seguir em frente, sem deixar-se perturbar”, advertiu. 

Neste contexto, a homilia falou numa “fé pré-programada”, em que cada um já tem a sua agenda própria, “ onde tudo está previsto”. “Sabemos para onde ir e quanto tempo gastar; todos devem respeitar os nossos ritmos e qualquer inconveniente perturba-nos. Corremos o risco de nos tornarmos como «muitos» do Evangelho que perdem a paciência e repreendem Bartimeu”, precisou.

Em vez de rejeitar quem incomoda, Jesus quer “incluir, sobretudo quem está relegado para a margem e grita por Ele”. O Papa aludiu depois à falta de “abertura do coração” e ao fim de aspetos da vida espiritual como “a admiração, a gratidão e o entusiasmo”, longe do “coração” de Deus, que “se inclina para quem está ferido”. “Esta é a tentação duma «espiritualidade da miragem»: podemos caminhar através dos desertos da humanidade não vendo aquilo que realmente existe, mas o que nós gostaríamos de ver”, prosseguiu.


Perante os “irmãos sinodais”, cardeais, patriarcas, arcebispos, bispos e padres que participaram na 14ª assembleia geral do Sínodo, o Papa elogiou o caminho que todos fizeram “juntos”. “Sem nos deixarmos jamais ofuscar pelo pessimismo e pelo pecado, procuremos e vejamos a glória de Deus que resplandece no homem vivo”, apelou.

Francisco defendeu que, tal como na cura do cego, os cristãos devem ir ter com quem sofre para dizer-lhes “coragem”, “tem confiança, anima-te” e “levanta-te”. “Os seus limitam-se a repetir as palavras encorajadoras e libertadoras de Jesus, conduzindo diretamente a Ele sem fazer sermões. A isto são chamados os discípulos de Jesus, também hoje, especialmente hoje: pôr o homem em contacto com a Misericórdia compassiva que salva”, observou.

A menos de dois meses do início do Jubileu da Misericórdia, um Ano Santo extraordinária convocado pelo Papa, Francisco disse que as situações de “miséria e de conflitos” são para Deus “ocasiões de misericórdia”. “Hoje é tempo de misericórdia”, sustentou.

Após a homilia, na apresentação das ofertas, uma família com uma filha em cadeiras de rodas foi ao altar, um dia depois de o Sínodo dos Bispos ter manifestado o seu apoio a todas as pessoas com deficiência.

Texto: Octávio Carmo (Agência Ecclesia)
Fotos: Ricardo Perna

Acolher e discernir: a Igreja ao encontro da Família


Após três semanas de discussão e reflexão, o Sínodo dos bispos aprovou o relatório final que será entregue ao Papa como base de reflexão para que possa decidir o caminho que a Igreja fará com a Família para que esta possa ser, «na sua vocação e missão», um «tesouro da Igreja». Os 94 pontos do relatório foram aprovados pela maioria de 2/3 necessária à sua publicação como parte do relatório, o que reflete o que vários participantes foram dizendo à comunicação social durante os dias de trabalho, e que contradizia a alegada divisão que era noticiada por alguns órgãos de comunicação social.

O consenso foi conseguido mesmo em matérias mais sensíveis, como o acompanhamento dos divorciados recasados e aos casais em situações irregulares ou de rutura, que mereceram mais votos contra.

O Papa abordou essa questão no seu discurso final, quando falava na necessidade de compreender que as sensibilidades das diferentes culturas e realidades de todo o mundo levavam por vezes a entender de forma diferente o mesmo assunto, o que se traduz naturalmente numa riqueza de partilha e em eventuais discordâncias em algumas soluções.

Pastoral do discernimento com casais em situações de rutura ou irregulares 
Este caminho sinodal de dois anos resultou em duas perspetivas que podem marcar o futuro da Igreja nos próximos anos em relação à família: acolher e discernir. O acolhimento tem sido a grande bandeira já desde o sínodo do ano passado. Os participantes defenderam na altura, como defendeu este Sínodo, a necessidade de mudar a linguagem da Igreja, e torná-la mais positiva, não excluindo ninguém do seu seio.

No seu discurso, o Papa avisava que a Igreja não pertence apenas aos «justos e santos, mas é também pertença dos «pobres em espírito e dos pecadores a espera de perdão». Durante estas três semanas, os participantes do Sínodo pediram que a Igreja tivesse uma linguagem mais «positiva», que não afastasse ninguém.

Esse é o primeiro passo do acolhimento, mas o Sínodo foi mais longe. «A Igreja deve formar os seus membros – sacerdotes, religiosos e leigos – na “arte do acompanhamento”, diz o documento, que reafirma a necessidade de se falar do «sacramento do matrimónio» que, «como união fiel e indissolúvel entre um homem e uma mulher chamados a acolherem-se reciprocamente e a acolherem a vida, é uma grande graça para a família humana».


Nunca deixando em vista este fim último, e tanto o Sínodo como o Papa foram bem claros na necessidade de reafirmar a Doutrina da Igreja sobre o casamento e a família, o relatório pede uma atenção especial a todas as situações irregulares. O texto que vai ser agora entregue ao Papa refere que é missão dos padres «acompanhar as pessoas no caminho do discernimento segundo o ensinamento da Igreja e as orientações do bispo».

Na votação final, 178 dos 265 participantes que votaram (mais um voto do que os necessários para a maioria de dois terços), aprovaram o número 85, em que se apela a um «exame de consciência» das pessoas em causa sobre a forma como trataram os seus filhos ou como viveram a «crise conjugal». O documento questiona ainda se houve «tentativas de reconciliação», qual a situação do «cônjuge abandonado» e quais as consequências da nova relação «sobre o resto da família e a comunidade dos fiéis». «Uma reflexão sincera pode reforçar a misericórdia de Deus, que não é negada a ninguém», diz o documento.

Este relatório não aborda diretamente a possibilidade de acesso aos sacramentos dos divorciados recasados, que é neste momento negada pela Igreja Católica. Sobre isso, os participantes apresentam critérios de reflexão, recordando que há «condicionamentos» que podem anular ou diminuir a responsabilidade de uma ação. «Por isso, mesmo apoiando uma norma geral, é necessário reconhecer que a responsabilidade em relação a determinadas ações ou decisões não é a mesma em todos os casos», e nesse sentido nem «as consequências dos atos realizados são necessariamente as mesmas em todos os casos», pelo que é essencial o «discernimento pastoral» que tem de acompanhar cada situação.

O texto cita o ensinamento de São João Paulo II na Familiaris Consortio: «Saibam os pastores que, por amor à verdade, estão obrigados a discernir bem as situações. Há, na realidade, diferença entre aqueles que sinceramente se esforçaram por salvar o primeiro matrimónio e foram injustamente abandonados e aqueles que por sua grave culpa destruíram um matrimónio canonicamente válido». «Há ainda aqueles que contraíram uma segunda união em vista da educação dos filhos, e, às vezes, estão subjetivamente certos em consciência de que o precedente matrimónio irreparavelmente destruído nunca tinha sido válido», acrescentava o Papa polaco, na sua exortação apostólica sobre a família.

A grande novidade, que abre a porta ao acesso dos divorciados recasados aos sacramentos que lhes eram até aqui negados, surge no ponto 86 do relatório. «A conversa com o sacerdote, no foro interno, contribui para a formação de um julgamento correto sobre o que dificulta a possibilidade de uma  mais plena participação na vida da Igreja e as medidas que podem promovê-la e fazê-la crescer», diz o relatório. A ideia de plena participação na Igreja inclui o acesso a sacramentos como a confissão e a comunhão, embora o documento não especifique claramente esta questão, deixando tudo na consciência do pecador e do sacerdote que o acompanha.

Preparação para o matrimónio mais efetiva 
Outro dos pontos fortes do relatório é a necessidade de uma preparação para o matrimónio mais efetiva, exigente, longa no tempo e, acima de tudo, inserida na vivência da comunidade paroquial. «A pastoral dos noivos deve inserir-se no empenho geral da comunidade cristã de apresentarem de modo adequado e convincente a mensagem evangélica sobre a dignidade da pessoa, a sua liberdade e o respeito pelos seus direitos», refere o relatório.

Para além disso, o relatório sugere que os agentes pastorais locais promovam a «integração da família na comunidade paroquial, sobretudo na formação cristã em vista aos sacramentos». Para isso, alertam que é importante que os sacerdotes sejam formados, a partir do seminário, a serem «apóstolos da família». O texto conclusivo do Sínodo valoriza a dimensão familiar na preparação do clero e dos religiosos, defendendo em particular uma «maior presença feminina na formação sacerdotal».

Os bispos apresentam depois os primeiros anos de casamento como um «período vital e delicado» para os casais católicos, o que exige um «acompanhamento pastoral que continue após a celebração do sacramento», com o compromisso de todas as paróquias e a ajuda de «casais especialistas», associações ou movimentos.

A este respeito, recorda-se que as dificuldades em ter filhos podem levar «rapidamente» a uma separação, pelo que as comunidades católicas devem oferecer um «apoio afetuoso e discreto». Aos padres é pedido também que acompanhem as famílias em situações de «emergência», provocadas por «casos de violência doméstica e de abusos sexuais».



A Família na sociedade
Grande parte dos 94 pontos postos a votação dizem respeito ao contexto sociocultural em que a família se vê envolvida na sociedade de hoje nas diversas partes do mundo, com os seus respetivos desafios. O Sínodo dos Bispos deixa uma mensagem de solidariedade às vítimas de violência doméstica e de maus-tratos, além de reafirmar «tolerância zero» para casos de abusos sexuais. «A prevenção e a resposta aos casos de violência familiar exigem uma colaboração estreita com a justiça para agir contra os responsáveis e proteger adequadamente as vítimas», refere o relatório final.

Os «grandes valores» do matrimónio e da família cristã como respostas aos anseios da humanidade num tempo de «individualismo» e «hedonismo». «A família baseada sobre o matrimónio do homem e da mulher é o lugar magnífico e insubstituível do amor pessoal que transmite a vida», refere o documento. Partindo de uma análise do contexto cultural e religioso em que vivem as famílias, face a uma mudança «antropológica» em que surge o desafio da ideologia do género, que «nega a diferença e a reciprocidade natural do homem e da mulher», o relatório analisa em seguida as situações dos vários elementos dos agregados familiares, com atenção aos idosos e criança, aos viúvos e aos solteiros.

São apontados alguns «desafios particulares», como a poligamia, o casamento entre católicos e fiéis de outras confissões cristãs ou religiões, a secularização ou a «desconfiança» dos jovens em relação ao matrimónio, e a família é apresentada como o «porto seguro», a «célula fundamental» da sociedade numa época de fragmentação.

O relatório final do Sínodo dos Bispos contesta ainda as políticas e os sistemas económicos contrários às famílias, em particular as que vivem em situações de pobreza e exclusão. «A hegemonia crescente da lógica do mercado, que mortifica os espaços e os tempos de uma verdadeira vida familiar, concorre para agravar discriminações, pobrezas, exclusões e violência», alerta o documento.

Os participantes dirigem-se às autoridades políticas para exigir que estas se empenhem «seriamente» na defesa da família, um «bem social primário», com políticas que a «apoiem e encorajem». «A acumulação de riqueza nas mãos de poucos e o desvio de recursos destinados ao projeto familiar agravam a situação de pobreza de famílias em muitas regiões do mundo», adverte o relatório.

Depois de todo este debate, falta agora saber a vontade do Papa. Francisco pediu uma abertura da Igreja ao acolhimento, e o Sínodo embarcou nessa nova missão de acolher verdadeiramente a todos, sem não esquecer a doutrina ou a tradição da Igreja. O verdadeiro desafio começa agora.



Texto: Ricardo Perna (com Octávio Carmo)
Fotos: Ricardo Perna

24 de outubro de 2015

«Deixámos tudo nas mãos, na cabeça e sobretudo no grande coração do Papa Francisco»


D. Manuel Clemente, Cardeal-Patriarca de Lisboa e um dos delegados da Conferência Episcopal Portuguesa, fez, em primeira mão para a Família Cristã e a Agência Ecclesia, um balanço deste Sínodo e do relatório acabado de aprovar. À saída da aula sinodal, o prelado mostrava-se muito «satisfeito» com o resultado dos trabalhos das últimas três semanas e com o consenso que foi possível alcançar na aula sinodal em relação a todos os pontos do relatório final.

Satisfeito com o resultado destas três semanas de trabalho? 
Muito satisfeito. No complemento do que aconteceu o ano passado, os temas foram tratados com mais incidência na missão da família na Igreja e na sociedade, mas com muita serenidade. Eu estive nos dois sínodos e reparei nisso, como a generalidade dos meus colegas também repararam, sobretudo os que tinham estado o ano passado, porque, na primeira vez, alguns dos temas tratados aqui, a este nível, e numa assembleia com o Santo Padre, apareciam de forma meio inusitada, e causavam perplexidade e debates intensos e acalorados, por vezes. Desta vez foi tudo tratado com muita serenidade, quer no plenário, quer nos trabalhos de grupo. As questões já foram vistas com outra naturalidade, e isso deve-se muito à feliz ideia do Santo Padre de não ter querido resolver o assunto numa só assembleia sinodal, mas nestas duas fases. Isto começou com uma consulta ao povo de Deus, depois uma assembleia sinodal, os resultados da primeira assembleia voltaram às dioceses, depois voltaram aqui e foram aprofundados no sentido mais de projeção da realidade da família na sociedade e na igreja... toda esta sequência permitirá agora ao Santo Padre pegar nas reflexões e nos resultados, nas propostas desta assembleia, e ver que tratamento lhe há-de dar. Todos ficamos à espera que, como sucessor de Pedro, nos confirme na fé a nós e às famílias cristãs.

Havia a ideia de que a assembleia estava dividida em muitos assuntos, e que não havia forma de resolver os problemas levantados... 
O burburinho que por aí houve não correspondia ao que se passou na aula sinodal, nem nos trabalhos de grupo, nem nas conversas de corredores, nada... Este foi um exercício de sinodalidade, um caminho que se faz em conjunto, e que o Papa quer que se torne habitual na vida da Igreja a todos os níveis. Ainda agora foram os 50 anos do Sínodo dos Bispos e ele sublinhava muito este aspeto de caminharmos em conjunto nos diversos patamares da vida da Igreja, das famílias às comunidades, aos movimentos, às dioceses, as conferências episcopais, aqui em Roma... este tipo de vivência eclesial, que o Papa exprime como sinodalidade, vai ficar e de certa maneira vai transpor para a Igreja aquilo que é mais espontâneo nas famílias, onde todas as pessoas conversam frequentemente, partilham uma vida muito próxima e comum nas famílias, homens, mulheres, pais e filhos. Que isto se projete também na história da Igreja num exercício conjunto de vida e de procura é o que se espera.

E a Família, como fica, depois deste Sínodo? 
Essa poderia ser a primeira nota a retirar, a família. Como o Papa disse no discurso final, não saímos daqui a dizer e a pensar “família” como quando esta reflexão começou. Com a ajuda das várias famílias aqui presentes, responsáveis de movimentos familiares leigos e leigas, e até um bebé que de vez em quando chorava na aula sinodal e nos lembrava a realidade familiar em todas as suas faces, enfim, com tudo isto, vamos muito mais enriquecidos para as igrejas que servimos nas nossas dioceses com uma reflexão conjunta e que sublinha o papel real da família na Igreja e na sociedade. E com uma consequência prática muito forte: se isto é assim, temos de dar muito mais importância às famílias, à preparação para o matrimónio, ao acompanhamento das famílias cristãs, mesmo aquelas que vivem em rutura, para vermos o que podemos consertar com a ajuda de todos.

E naquelas em que já não é possível consertar nada? 
Naquelas em que já não seja possível recuperar a situação anterior, continuar a considerá-los, como são, nossos irmãos e irmãs, batizados que têm o seu lugar na comunidade cristã. O aspeto muitas vezes frisado de saber se acedem ou não à comunhão sacramental não foi demasiado frisado como foi o ano passado, porque a comunhão eclesial não passa necessariamente por aí, dada a ligação que esse aspeto tem a uma ordem de Cristo aqui citada muitas vezes, que foi «não separe o Homem aquilo que Deus uniu». É preciso ter uma atenção redobrada da parte da Igreja a saber se Deus uniu mesmo, ou seja, se foi válido aquele sacramento, e daí a importância do Motu proprio do Papa no mês passado, que fez com que nós encaremos, nas dioceses, de forma, não digo mais fácil, mas mais simplificada todos esses casos. Porque se realmente a família é assim tão importante, vamos dar-lhe a importância que ela tem, quer na preparação, quer no acompanhamento daqueles que já não vivem a família como a começaram dantes. Para todos uma atenção redobrada, porque o seu papel é indispensável para a Igreja e para a sociedade.

O documento dá indicações claras às igrejas sobre como proceder perante as situações irregulares, e na necessidade do discernimento e de julgar caso a caso. Até onde pode ir essa distinção? Até à comunhão, em alguns casos? 
A comunhão sacramental tem a ver com a validade do vínculo, e saber se houve ou não houve, e a atenção a esse nexo é que fica aqui mais vincada e mais redobrada. Depois o acompanhamento caso a caso, quando o Sínodo falou nisso, é para verificar o que o Papa João Paulo II já disse há 30 anos na Familiaris Consortio. Temos de ter muita atenção porque os casos não são todos iguais, e às vezes uma expressão forte pode encobrir situações muito diversas. É o que estamos a fazer e o que vamos continuar a fazer.

Mas pode chegar a permitir, em casos pontuais, o acesso à comunhão de alguns desses casais, em casos específicos, com um caminho penitencial próprio? 
Está sempre em ligação com o vínculo, de saber se houve ou não houve. Por isso, a atenção mais pessoal a cada caso pode permitir constatar se houve ou não houve vínculo. Muitas vezes constata-se que não houve vínculo matrimonial e abre-se a porta à comunhão.

D. Manuel Clemente e D.Antonino Dias, os dois delegados da Conferência Episcopal Portuguesa ao Sínodo

Do relatório, o que destaca ser mais importante levar para a Igreja em Portugal? 
O novo protagonismo que a família cristã tem de ter na comunidade para depois se projetar na sociedade. A sociedade portuguesa, como a generalidade das cidades do chamado mundo ocidental, é muito individualizada. As pessoas já não vivem naqueles núcleos familiares garantidos e tradicionais, ou por procura de trabalho, ou porque nem as próprias casas permitem que lá vivam famílias grandes ou porque o ambiente não valoriza muito a constituição de famílias numerosas. É preciso reforçar o papel da família na vida da Igreja, para ela ser sinal, testemunho e fermento de um reforço da família na sociedade. As famílias cristãs são famílias da nossa sociedade. Reforçado o seu papel e a consciência do que valem, também depois isso pode e deve transferir-se para a sociedade no sentido de a tornar mais familiar, mais próxima, mais vizinha, mais solidária entre gerações, todos. Isso aprende-se na família e se queremos fazer uma sociedade humana temos de começar por aqui. 

Algumas pessoas temiam um relatório pouco prático, em relação a diversas matérias. Sente que é um relatório que aponta caminhos práticos e concretos, onde o Papa se poderá basear para definir o papel da família na Igreja para os próximos tempos? 
Creio que sim, e foi isso mesmo que pedimos ao Papa. Com estas reflexões vindas dos grupos, que contêm sensibilidades que são distintas, conforme os continentes, as regiões e as culturas, pedimos que nos dê orientações mais concretas e mais práticas. Pediu-nos para refletir a nós e a toda a Igreja, que o fez com todos os milhares de respostas que aqui chegaram, pelo que agora deixámos isto tudo nas mãos, na cabeça e sobretudo no grande coração do Papa Francisco, e esperamos que nos diga como é que vai ser.



Texto e fotos: Ricardo Perna

Papa encerra Sínodo afirmando que Igreja não existe para condenar


O Papa encerrou hoje no Vaticano os trabalhos do Sínodo dos Bispos sobre a família e disse que as últimas três semanas abriram «novos horizontes» na vida da Igreja, que recusam uma linguagem condenatória». «Procuramos abrir os horizontes para superar qualquer hermenêutica conspiratória ou perspetiva fechada, para defender e difundir a liberdade dos filhos de Deus, para transmitir a beleza da Novidade cristã, por vezes coberta pela ferrugem duma linguagem arcaica ou simplesmente incompreensível», declarou Francisco, numa intervenção à porta fechada, posteriormente publicada pela sala de imprensa da Santa Sé.

Perante 265 participantes com direito a voto, entre eles D. Manuel Clemente e D. Antonino Dias, de Portugal, o Papa declarou que «o primeiro dever da Igreja não é aplicar condenações ou anátemas, mas proclamar a misericórdia de Deus». «A experiência do Sínodo fez-nos compreender melhor também que os verdadeiros defensores da doutrina não são os que defendem a letra, mas o espírito; não as ideias, mas o homem; não as fórmulas, mas a gratuidade do amor de Deus e do seu perdão», precisou.


Francisco apresentou uma reflexão sobre o que deve significar para a Igreja «encerrar este Sínodo dedicado à família», que desde 2013 incluiu questionários às comunidades católicas, uma reunião extraordinária de bispos (2014) e a 14ª assembleia geral ordinária, que se conclui oficialmente este domingo, com a Missa na Basílica de São Pedro.

O fim deste percurso, afirmou o Papa, não significa que se esgotaram todos os temas, mas que estes foram debatidos «à luz do Evangelho, da tradição e da história bimilenária da Igreja», sem «cair na fácil repetição do que é indiscutível ou já se disse», «sem medo e sem esconder a cabeça na areia». «Seguramente não significa que encontrámos soluções exaustivas para todas as dificuldades e dúvidas que desafiam e ameaçam a família», admitiu.

Francisco falou da reunião de bispos e outros representantes das comunidades católicas como uma prova da «vitalidade da Igreja Católica», num «período histórico de desânimo e de crise social, económica, moral e de prevalecente negatividade». «Testemunhámos a todos que o Evangelho continua a ser, para a Igreja, a fonte viva de novidade eterna, contra aqueles que querem “endoutriná-lo” como pedras mortas para as jogar contra os outros», defendeu. O Sínodo desafia a Igreja e a sociedade a compreender a importância da «instituição da família e do Matrimónio entre homem e mulher», fundado sobre «a unidade e a indissolubilidade».

Francisco lamentou que alguns «corações fechados que, frequentemente, se escondem mesmo por detrás dos ensinamentos da Igreja ou das boas intenções para se sentar na cátedra de Moisés e julgar, às vezes com superioridade e superficialidade, os casos difíceis e as famílias feridas», e avisou que a Igreja não pertence apenas aos «justos e santos, mas é também pertença dos «pobres em espírito e dos pecadores a espera de perdão».

Noutra passagem do discurso, o Papa critica os que se opuseram à dinâmica sinodal «com métodos não totalmente benévolos», sustentado que esta assembleia nunca quis entrar nas questões dogmáticas, «bem definidas pelo Magistério da Igreja». Após três semanas de encontros com responsáveis de todo o mundo, o pontífice argentino recordou que aquilo que parece «normal» para um bispo de determinado continente pode ser «quase um escândalo» para outro. «O desafio que temos pela frente é sempre o mesmo: anunciar o Evangelho ao homem de hoje, defendendo a família de todos os ataques ideológicos e individualistas», disse ainda, advertindo para os perigos do relativismo ou de «demonizar os outros».

Em conclusão, Francisco sustenta que, para a Igreja, encerrar o Sínodo significa «voltar realmente a “caminhar juntos” para levar a toda a parte do mundo, a cada diocese, a cada comunidade e a cada situação a luz do Evangelho, o abraço da Igreja e o apoio da misericórdia de Deus».

O Sínodo termina amanhã, oficialmente, com a missa presidida pelo Papa na Basílica de S. Pedro.

Texto: Ricardo Perna/Octávio Carmo
Fotos: Ricardo Perna

Sínodo 2015: Bispos alertam para crise humana no Médio Oriente e condenam tráfico de armas



Os participantes no Sínodo dos Bispos que decorre no Vaticano publicaram hoje uma declaração de apoio às populações vítimas da guerra no Médio Oriente e outras regiões, condenando o tráfico de armas. «As nossas vozes unem-se ao grito de tantos inocentes: basta de violência, basta de terrorismo, basta de destruição, basta de perseguições! Que cessem imediatamente as hostilidades e o tráfico de armas», assinala o texto, distribuído aos jornalistas pela sala de imprensa da Santa Sé.

Os participantes na assembleia sinodal denunciam o uso de armas de destruição em massa, assassinatos «indiscriminados», decapitações, raptos, tráfico de mulheres, perseguições religiosas e étnicas, bem como a destruição de lugares de culto e de património cultural. «Atrocidades incontáveis obrigaram milhares de famílias a fugir das suas próprias casas e a procurar refúgio noutro lugar, muitas vezes em condições de extrema precariedade», pode ler-se. A declaração sustenta que a paz no Médio Oriente não vai chegar de «escolhas impostas pela força», mas de «decisões políticas que respeitem as particularidades culturais e religiosas» de cada país.

O documento apresenta uma palavra de agradecimento aos países que estão a acolher refugiados do Médio Oriente, ajudando pessoas que há vários anos são «vítimas de atrocidades indescritíveis». «Estamos convencidos de que a paz é possível e de que é possível parar a violência que na Síria, no Iraque, em Jerusalém e em toda a Terra Santa atinge todos os dias cada vez mais famílias e civis inocentes e agrava a crise humana», referem os participantes no Sínodo. Neste contexto «dramático» há violações «contínuas» dos princípios fundamentais da dignidade humana e dos direitos humanos, como a liberdade religiosa.

Os signatários pedem a «libertação de todas as pessoas sequestradas» nestas guerras, alargando a sua preocupação a outras partes do mundo, em especial a África e a Ucrânia.

Texto: Octávio Carmo (Agência Ecclesia)
Foto: Ricardo Perna

Família: Relatório final propõe prática do «Discernimento» nas comunidades


O cardeal Christoph Schönborn, arcebispo de Viena, disse hoje no Vaticano que o Sínodo dos Bispos sobre a família propõe critérios de «discernimento» sobre situações como as dos divorciados em segunda união. Em conferência de imprensa, o presidente da Conferência Episcopal da Áustria referiu que o relatório final da assembleia, com votação marcada para esta tarde, «dá critérios não só para a questão do acesso aos Sacramentos mas para o acompanhamento de situações que o Catecismo chama irregulares».

 Especificamente sobre os divorciados que voltaram a casar civilmente, os participantes falaram com «com grande atenção», sem tocar a questão do acesso à Comunhão de forma «direta», mas com «a palavra chave discernimento». «Não há preto e branco, sim ou não», acrescentou. Esta apresentação traz «critérios fundamentais» para o «discernimento das situações» que são em muitos casos «tremendamente diferentes», sem as «julgar». «A própria palavra do Papa João Paulo II na Familiaris Consortio, diz que é obrigatório procurar a verdade e pede que os pastores exerçam o discernimento, porque as situações são diversas. Nisto, o Papa Francisco, como bom jesuíta que é, quer que este discernimento permita perceber a situação de cada pessoa», referiu o cardeal.

O cardeal Raymundo Damasceno Assis, presidente-delegado do Sínodo 2015, também confirmou aos jornalistas esta preocupação com o «discernimento», porque «cada situação é muito própria, muito concreta». «A dimensão da ternura e da misericórdia está no documento final. A preocupação é integrar as pessoas na comunidade eclesial, seja qual for a sua situação. Uma atenção muito especial pelas famílias em situações difíceis: migrações, pobreza extrema, a violência familiar, o problema dos meninos de rua, os divorciados recasados e tantas outras situações que encontramos nas famílias no mundo. A igreja quer estar próxima dessas famílias, muito atenta», refere o cardeal, acrescentando que, depois, é preciso discernir sobre as diferentes situações.

«Dentro desta integração, dá-se um processo de discernimento de cada situação, muito própria, muito concreta, para que as famílias possam participar nos mais diferentes âmbitos da paróquia. Isto faz com que possamos acompanhar melhor as situações de cada família, e fazer um discernimento que pode levar a uma comunhão plena com a Igreja», não especificando se esta comunhão plena seria possível de alcançar também pelos que estão divorciados recasados, apesar de os ter incluido no grupo daqueles que deverão ser acolhidos pela Igreja.

Para D. Christoph Schönborn, o essencial deste processo é o «grande sim à família» que foi dado pela Igreja Católica, após ter debatido o tema durante dois anos, «um facto notável para o nosso tempo». «O êxito deste Sínodo para mim é um grande sim à família, que não é um modelo ultrapassado», insistiu. «Toda uma biblioteca de livros foi publicada» sobre a família e a teologia, acrescentou o cardeal.

Para o cardeal austríaco, filho de pais divorciados, «não há rede mais segura, em tempos difíceis, do que a família, mesmo a família ferida, recomposta». Ainda em relação ao relatório final, um «documento de consenso», D. Christoph Schönborn adiantou que não haverá «muito sobre a homossexualidade neste documento», admitindo que «alguns ficarão desiludidos». O tema é «abordado sobre o aspeto da família, em que se faz a experiência de ter um familiar que é homossexual». O arcebispo de Viena realçou que este é um «tema demasiado delicado» para alguns «contextos culturais» e que, para a Igreja, a definição da família é «muito clara», exigindo a relação «homem e mulher», «fiel» e «aberta à vida». Esta definição não exclui «situações de recomposição familiar», mas permanece sempre como o «núcleo» do ensinamento católico.

O cardeal Raymundo Damasceno Assis, arcebispo de Aparecida (Brasil), elogiou a metodologia «diferente» desta assembleia sinodal, em que se deu muita importância aos trabalhos de grupo, com participação «muito maior» de todos, ajudando a encontrar o maior consenso possível. O mesmo responsável precisou, por outro lado, que a «descentralização» na experiência da vida da Igreja, sobretudo na América Latina, não significou, de forma alguma, «nacionalizar ou continentalizar» a Igreja Católica.


O Cardeal Schönborn concordou. «A nova metodologia é uma das grandes novidades deste sínodo. Sentimo-nos bem no final, em grande parte graças à nova metodologia, porque permite a todos exprimirem-se com calma. Nestes 50 anos de sínodo, é um verdadeiro progresso», concluiu.

A votação do documento final será esta tarde, após a qual o Papa Francisco irá concluir os trabalhos com uma mensagem.


Texto: Ricardo Perna/Octávio Carmo
Fotos: Ricardo Perna